OUTTERSPACE
Samuel Silva

Existem coisas e coisas no mundo e já se disse que uma coisa é uma  coisa e outra coisa é outra coisa! Mas existem coisas que são tão parecidas que parecem ser a mesma coisa, mesmo sendo coisas diferentes.

Dorcivália aprendeu isso de forma um pouco dolorosa, mas aprendeu quiçá para todo o sempre em que resistir a morrer, o que não parece ser algo tão distante, ante os fatos.

Dorcivália era uma pesquisadora júnior da Agência de Pesquisas Inter-espécies (API), uma humana nova, com menos de quatro décadas-padrão de idade, estatura e peso medianos, cabelos cortados bem rente ao crânio como determinam as normas da API. A API era cheia de regras sobre conduta e imagem de seus funcionários, principalmente daqueles que , pela função ou lotação, poderiam ter contato com alienígenas, de modo a permitir o mínimo possível de conflitos com esses seres, e descobriu-se que cabelos humanos causavam algum desconforto nas outras espécies já contatadas. Por via das dúvidas, sem cabelos ou o mínimo possível à vista!

Dorcivália, como pesquisadora júnior, havia recebido sua primeira comissão, incorporando-se à nau exploradora Icon VII que tentaria um contato civilizatório com os seres de Âmagon, nome provisório dado ao oitavo planeta do sistema Alfa Eridani. Acabara de despertar do sono induzido e ainda sentia as dores de cabeça e ânsias de vômito típicas da transição e recebera a mensagem de que formaria o grupo precursor como auxiliar de contato. 

Sua função seria bastante simples, apenas tentar memorizar elementos de codificação na linguagem corporal dos nativos de Âmagon para depois passá-los para o computador. Um grupo precursor sempre levava o mínimo possível de equipamentos, tanto para não assustar os nativos com a aparência dos aparelhos quanto para não permitir a perda de dinheiro com reposição de equipamento perdido ou destruído. 

Estes contatos iniciais muitas vezes terminavam em conflitos mais ou menos sangrentos e a API depois de perdas de uma quantia espantosa em computadores de campo, transmissores, etc., havia determinado um kit máximo permitido neste tipo de missão.

Teve apenas tempo de vestir a roupa de isolamento ambiental que a envolveu como uma segunda pele de cor absolutamente neutra e não-reflexiva e foi juntar-se ao seu grupo, que seria comandado pelo pesquisador sênior Nublato. 

Conhecia Nublato e sua sólida reputação construída em diversos contatos bem sucedidos com alienígenas mas sabia também que esta seria a primeira vez em que ele chefiaria uma missão de contato inicial com uma espécie desconhecida. Conhecia e bem também a capacidade dele de interação, testada e aprovada em diversos jogos de prazer em que Dorcivália fora sua parceira. Era um humano que sabia tocar fundo onde uma humana precisava ser tocada. Por um momento sentiu-se excitada pela lembrança, a umidade íntima sendo rapidamente absorvida pelo sistema de estabilização do seu traje.

Pouco mais de uma hora-padrão depois chegavam à superfície do planeta gigante. 

A gravidade era bastante superior à que Dorcivália estava acostumada, mas o treinamento recebido ajudou-a à adaptar-se e a roupa de isolamento aumentou sua rigidez para compensar o aumento da pressão externa, passando a atuar quase como um exoesqueleto.

A comitiva de recepção dos nativos, exaustivamente negociada por telecomunicação pelos especialistas da API, estava aguardando-os na planície ferruginosa onde a nave de pouso estacionara e Dorcivália se deu conta de que eram poucos os âmagonios que os esperavam e que não havia nenhuma estrutura à vista. O encontro seria à céu aberto e isso lhe causou um certo desconforto que ela logo bloqueou e recalcou, para que nem isso nem os pensamentos que começavam a assombrar sua mente turvassem seus sentidos no cumprimento de sua missão. Não cabia a ela fazer análises sobre o que via, apenas deveria manter-se aberta para registrar todos os eventos em sua multiplicidade sensorial.

Os humanos eram seis e os extraterrestres apenas dois, mas o tamanho deles compensava fartamente a diferença numérica. Eram altos como dois humanos altos e largos como três humanos largos e seus corpos eram quase esféricos, apoiados em três pernas, bastante robustas, claro. A cabeça era apenas uma protuberância na parte superior do corpo, podendo Dorcivália distinguir três olhos dispostos em triângulo eqüilátero à volta da boca, um orifício de bordas ciliadas. 

Ficaram imóveis à uma distância que lhes pareceu segura e Nublato começou o ritual de aproximação, movendo-se lateralmente de um lado para outro à frente do grupo precursor enquanto discursava em pequenas frases que eram traduzidas para o idioma nativo pela caixa tradutora previamente programada pelos especialistas em idiomas da API.

Tudo seguia dentro do previsto e Dorcivália não percebeu como a situação saiu do controle, voltando a si do estado de percepção sensorial apenas quando sentiu um dos âmagonios tão próximo à ela que escondeu o sol de Eridani Alfa e ela instintivamente gritou e deu um passo atrás, mas uma espécie de tentáculo destacou-se do corpo do alienígena e agarrou-a pela cintura.

Ela tentou resistir à força descomunal daquele tentáculo, mas outros dois se projetaram do âmagonio e prenderam-lhe os braços e as pernas. Lentamente foi puxada de encontro ao extraterrestre e ela então pôde ver o rosto dele em todos os detalhes da pele rugosa, os olhos cada um de uma cor básica (vermelho, verde e azul), com pestanas córneas que piscavam em ritmo acelerado. Do orifício bucal começava a escorrer um líquido que se volatilizava rapidamente e ela teve a percepção exata de que ele estava alegre e ansioso.

Ouviu o som de seu traje sendo rasgado e arrancado de seu corpo, deixando-a apenas com as roupas de serviço e seu treinamento fez com que registrasse que a temperatura ambiente era amena para um humano. 

Depois, o âmagonio retirou, menos brutalmente, as suas roupas de serviço e começou a tateá-la com dezenas de saliências carnosas que a exploraram como poros invertidos, tocando, alisando, pressionando, ora como suaves tenazes, ora indiscretos pontões, e Dorcivália contou as estrelas do céu violáceo de Âmagon até que nasceram todos os sóis e não havia mais céu, apenas uma explosão multicor em espectral luminosidade.

Foi isso que me contou Dorcivália na ala psiquiátrica da API, na primeira consulta que tivemos. Ela definhava, morria aos poucos afogada em triste amargura, pois disse saber que nunca mais sentiria tanto prazer quanto daquela vez em Âmagon, oitavo planeta do sistema Alfa Eridani.

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