OU CRESCE OU É ENGOLIDO
Carlos de Paula

Não há muito para se discutir, não. A solução dos problemas está em você, a vida é sua e, para culminar, o livre-arbítrio para fazer dela o que bem entender é todo seu. Isso às vezes chega a gerar uma bruta confusão social e, há quem creia nisso, um cataclismo cósmico, pois alguns dos livres árbitros cismam que, já que a vida lhes pertence, cabe-lhes o direito de encerrá-la quando quiserem e, aí, ai, ai, ai, é uma tragédia na Terra e uma convulsão no Céu. É ponto pacífico na vida que, ou você cresce nela e com ela, ou então ela te engole.

Talvez com essas coisas na cabeça, Almir olhou p´ro moleque e sorriu. E do guri veio a repetição da pergunta, síntese de uma das maiores angústias de seus dez anos:

- Almir, você ri, mas eu fico sempre com isso na cabeça... Que será que vai acontecer comigo mais tarde, já que minha infância mal aconteceu? Meus colegas ficam aí, só na de brincar, estudar, pensar nos desenhos e nos joguinhos de hoje, de amanhã e de sempre, enquanto eu já penso no que farei no futuro. Isso não vai me enlouquecer, não?

Almir sorriu de novo, e tratou de ficar um pouco mais sério para dizer o que pensava:

- Carlinhos, o que é que você queria? A vida chegou p´ra você e disse claramente: "Meu amigo, trate de crescer, porque senão eu te engulo!". Você, dono de um belo instinto de sobrevivência, optou por crescer e permanecer vivo. E agora, o que você vai fazer disso? A decisão é sua, você sabe, a vida é sua. Minha sugestão é que, já que escolheu viver, viva da melhor forma, sem se atormentar por ter tomado uma decisão. 

O que era mesmo que o Carlinhos queria? Talvez nem ele soubesse definir. Na verdade, não se tratava de querer, era quase uma obrigação que vinha e se impunha sobre ele. Uma coisa visceral, que lhe empurrava a vida pela goela abaixo, e quanto mais vida ele comia, mais queria comer. Se ele soubesse na época sintetizar o que era, algumas frases prováveis seriam: "Só me resta viver!", "Sou fiel à vida, à vida e a ela só!". Independentemente de qualquer conceito religioso, e ele já tinha vários, por mais problemas houvesse, a vida lhe era e, isso ele ainda não sabia, sempre lhe seria apetitosa.

Quando se enraizou nele a crença de que a vida é eterna, de que há uma Divindade Criadora e de que todos os seres vivos são interdependentes, aí é que tudo ficou muito mais bonito. Realmente, viver não se tratava de opção, era condição natural dos viventes. 

Houve um tempo em que Carlos olhava para trás, via o Carlinhos e sofria pelos sofrimentos dele, e buscava crescer cada vez mais, social, intelectual, mas acima de tudo espiritualmente, para que o menino pudesse, crescido, aceitar e compreender melhor as mazelas passadas. Para que ele pudesse realmente concluir que tudo, do bem ou do mal, foi importante para que ele se descobrisse e fosse o Carlos possível.

Não são coisas que se transmitam por hereditariedade. Não são, infelizmente. Mas são coisas que ficam. 

Tenham certeza de uma coisa, pois isso é ponto pacífico: se o Carlinhos pudesse falar com todos vocês, há algo que ele gostaria muito de transmitir a todos que ama. Especialmente ao filho que ele antevia, sem saber quão pouco tempo estariam juntos nessa existência, ao filho que seria engolido por tantas coisas que o perturbavam em silêncio. A vocês e ao filho que decidiu se deixar engolir, o Carlinhos afirmaria que vale a pena viver. E não é só porque ou a gente cresce ou a vida nos engole, não. É porque engolir a vida, isto sim, engorda e faz crescer.

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