UM PONTO NO PACÍFICO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

A "Última flor do Lácio, inculta e bela" renasce regada a sangue e lágrimas em Timor Leste. Estranhos num ninho de mil ilhas, de mil línguas e credos, esforça-se um povo massacrado em voltar a falar a língua de Camões e Pessoa.

Luís Monteiro, doze anos, perdeu muito para quem quase nada tinha: os pais, alguns amigos, a ingenuidade e a inocência. Envelheceu. Olhos de curiosidade fixos no oceano, mira as naus armadas das Forças de Paz. O instinto de sobrevivência, em estado de alerta, relaxa. Não é mais movido ao medo do dia anterior - medo dos milicianos com suas primitivas machetes, medo dos recrutas indonésios com seus fuzis modernos. Os soldados estrangeiros representam muito mais que a garantia da paz; ele pensa em cada moeda que possa ganhar. E como ganhar. E o estômago dá voltas. E as lombrigas sonham. 

Em Dili não há semáforos para vender doces nem carros para tomar conta. Em Dili só há ruínas. Marcas profundas, cicatrizes nos corpos e nas almas, e uma babel: Tetum, Bahasa-Indonésio e um Português encravado na garganta dos mais velhos, por conta de anos de proibição e ameaças.

Luís aprende rápido: Hey, friend! Gimme a penny! Um trocado, amigo! 

E aprende a sorrir. Um sorriso triste de dentes estragados que dá boas-vindas. Um sorriso de pequenas esperanças.

Hoje o herói nacional deve falar ao seu povo em Tetum e Português de Portugal - que há outro Português, o dos soldados simpáticos que adoram jogar futebol. O líder guerrilheiro que esteve preso anda pelo o que restou de Dili, sorridente e triunfante. Suas barbas estão brancas e ele está magro. Mas continua inflexível que nem bambu que não se verga e nem se submete aos ventos da tirania. 

Ele para, olha para o menino que baixa a cabeça envergonhado, aproxima-se, acaricia-lhe os cabelos e comenta com a comitiva que o acompanha em um português que Luís ainda não consegue entender completamente:

"Estamos a construir uma nação. E este esforço passa pela garantia de um futuro melhor para as futuras gerações"

E segue em frente de cabeça erguida. Que erguer-se faz parte da natureza timorense. Que erguer-se significa reconstrução de paredes e de sonhos, de estima e de confiança.

Luís aproxima-se tímido do fuzileiro lusitano que escolta a comitiva e pergunta: "É senhore Gusmão presidente?"

O soldado assente positivamente com a cabeça e ele vibra:

"Então, viva Timor! Timor Lorosae!"

O soldado entendeu porque estava ali, tão longe de casa: A paz estava sendo resgatada, ponto a ponto, assim como a lingua-mãe portuguesa, naquele ponto distante do Pacífico.

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