LIÇÃO DE CASA
Bárbara Helena

Ela chegou iluminada. Cheirava a pecado e não era daqueles pequeninos, mas rombudos. Toda trêmula de susto e de tesão, a culpa escorrendo pelos poros como mel. 

E a gente bebia as palavras do errado com delícia. 

E o não devido, o proibido se tornava para nós como elixir suculento e sorvíamos as palavras, a serpente subindo pelas pernas, um calor afogueando os braços nus.

Era verão ainda por cima, o inferno parecia mais próximo da pecadora e como queríamos arder também no caldeirão!

Ela falava, o peito arfando, a voz velada de desejo, o medo percorrendo o cio.

Nós escutávamos com os dedos trêmulos, sorvíamos a história alheia com volúpia. Era nossa guia no caminho da transgressão e ouvíamos caladas, vivendo seus meandros, esperando um desfecho que nunca vinha, um castigo temido e ansiado para afastar aquela idéia perniciosa de que era possível ser feliz errando.

Nosso corpos suados de meninas esperavam cada minuto do relato com o coração suspenso. E ela nos guiava pelos igarapés do erro com certezas sábias de paixão. Nossa lanterna no rio escuro do desejo era a carne trêmula e o olho aceso dela conduzindo o barco. 

Temíamos o naufrágio? Sim, temíamos. Mas parecia tão forte estar ali ouvindo o despenhadeiro, percebendo o eco da garganta perigosa que nos esperava. E escutávamos tensas de safadeza, lânguidas de culpa, o mal-feito alheio.

Quando os adultos chegaram, desfazendo o encanto, cada uma de nós já se tornara, irremediavelmente, uma rebelde mentirosa.

E sabíamos, para o resto da vida, que o pecado tem seu mérito.

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