A FLOR DOS AMANTES
Fábio Luiz

Conta a lenda que por lá andava, na floresta nos arredores da vila, um menestrel conhecido da região voltando de suas aventuras por lugares distantes.

Cansado de tantas viagens, resolveu pernoitar em alguma clareira. Quem sabe sob uma sombra amiga para que o sol o acordasse aos poucos. Eis que encontrou não somente tal sombra que por um carvalho descia, como também um regato de águas claras que carregava consigo um delicioso cheiro de paz e relaxamento. Deitou suas coisas ao lado da árvore, lavando-se em seguida, retirando de si o pó com suas histórias de conquistas e aventuras mil.

A noite não tardava a chegar e o sol poente avisava que voltaria dali a algumas horas para acordar o cantor.

Embora cansado tratou de preparar uma fogueira e arrumar seus pertences. Seu amigo, o alaúde, logo reclamou atenção sendo prontamente atendido. Os amigos da noite dos peregrinos apareceram, meio desconfiados, prestando atenção no que cantava o menestrel.

Luzes de cidade, donzelas, ladrões e magos. Tudo era assim revelado pelas notas arrancadas levemente das cordas. De vez em quando parava e anotava alguma frase de efeito para criar um poema ou uma ode mais tarde.

Resolveu parar um pouco com seu canto, anotar mais algumas coisas e também retratar uma coruja que teimava em posar lindamente para ele.

Enquanto se entregava ao trabalho prazeroso suas narinas captavam o cheiro da mata e das águas que enchiam seu peito e seus sonhos que não paravam de nascer em sua mente.

A brisa leve da noite, porém, trouxe algo mais. Algo que o estancou em seu traço. A coruja como se soubesse de algo voou, sumindo mata adentro. Seu olfato loucamente buscava divisar de onde provinha tal odor tão diferente de todos que já conhecia.

Sentia que aquele aroma o excitava de tal forma que seu coração aumentava seus batimentos, ritmando com o som do riacho que brilhava sob o luar. O rufar crescia com o aroma que penetrava cada poro seu.

Levantou-se desnudo e pisou no frescor da água. De um canto uma bruma surgia e a mata se calava. Ouvia apenas a si mesmo e cada vez mais sentia o cheiro tão assustador e instigante.

A bruma que a tudo tomava em seu caminhar resoluto já se mostrava soberana. E dela surgiu como uma deusa das águas a dona do aroma tentador.

Ela não emitiu um som sequer. Nem mesmo no caminhar. Seu sorriso brilhava nos olhos do menestrel que já embriagado pelo perfume caminhava em sua direção.

Tocaram-se como dois amantes antigos que se encontram após o afastamento imposto. O viajante percebia que aquele era o perfume dos amantes, pois tal emoção trazia na sua textura, que já era seu também, misturado e acrescido no cheiro dos jovens abraçados nas águas.

A bruma os envolveu por completo e a lua se virou seguindo seu curso na madrugada.

Pela manhã o velho lenhador buscava gravetos e um bom pedaço de madeira para trabalhar quando, ao passar pelo velho carvalho, notou as roupas e outros pertences na relva. Reconhecendo de quem era o alaúde, gritou pelo seu amigo menestrel. 

Por várias horas gritou, procurou, apelou. Nada veio em sua resposta. Olhando para as pegadas na terra úmida, logo chegou à triste conclusão que seu amigo ali se afogara. Nada a fazer além de rezar. Ajoelhou-se acompanhado pelos olhares dos pequenos animais que sabiam de tudo, mas nada contariam.

Enquanto enxugava suas lágrimas na oração, sentiu o mesmo aroma que antes atraíra o menestrel. De uma flor que nunca havia visto antes, exalava aquele perfume tão audacioso e envolvente. Colheu a flor, e ao sorver seu agridoce presente ouvia o som do alaúde como se seu amigo o tocasse. Entendeu que a flor era um recado dele, trazendo boas novas de seu novo amor. Seu pensamento era invadido pelas imagens dos amantes.

Sorrindo, até mesmo com alegria guardou todos as coisas do menestrel e as enterrou. Menos uma.

O alaúde ele escondeu em um entalhe feito com seu machado no carvalho. Esperava que seu amigo o tocasse novamente.

A lenda pelo vento se espalhou.

De um menestrel que se entregou ao amor das águas, deixando sua história numa flor de perfume afrodisíaco que crescia pela noite sob o velho carvalho.

O vento na noite enchia a mata com o som do alaúde e o cheiro da flor do menestrel enchia a alma e os corações dos amantes que por ventura a encontrasse.

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