DOIS LADOS
Carlos C. Alberts

Eram amigos há mais de dez anos. Conheceram-se quando fizeram pós-graduação no mesmo Departamento, com o mesmo orientador. Há cinco anos, um deles fez um concurso e conseguiu emprego numa boa Universidade, em um Campus do Interior. O outro foi visitá-lo. Era a primeira vez que visitava a nova cidade do amigo. Este foi buscá-lo na Estação Rodoviária. Estava radiante. Em parte devido à vinda do outro. Cada um ainda considerava o outro como o melhor amigo. Mas não era só isso. Ele podia mostrar o que tinha conseguido. Um bom emprego. A primeira casa própria (muito pequena, mas adorada). Estava casado. A linda esposa, grávida. 

O visitante, ao contrário, estava em crise. Tinha desistido de uma bolsa de recém doutor para ocupar uma vaga precária de um professor afastado, mas que estava para voltar. Estava ganhando muito menos do que no tempo da bolsa. Uma nova vaga estava prometida, mas estava demorando e ainda haveria o concurso, em que teria que concorrer com outros amigos e colegas. Estava sem mulher, depois que a última tinha se casado com um colega de ambos.

O residente levou o amigo para conhecer a Faculdade, seu laboratório e sua sala. Apresentou aos colegas e novos amigos. Pediu ao amigo para dar uma palestra para seus alunos. Organizou um churrasco no Clube. Compareceu a festas e outras badalações da pequena cidade, levando o amigo.

Na noite do dia anterior à volta do visitante, sentaram-se, beberam e conversaram. Aquela conversa que só os melhores amigos têm. O motivo real da viagem. Depois de muitos assuntos, o residente perguntou o que o outro iria fazer se a vaga não viesse, ou se não passasse no concurso. Respondeu que juntaria suas economias, faria uma viagem ao Nepal e daria um rolê pela Ásia, um grande sonho. Na volta, talvez tentasse escrever, ou, quem sabe, se estabelecer em algum ponto da costa brasileira e vender artesanato. O outro ficou chocado. "Mas e a sua pesquisa?" "Agora você é um Doutor". "Imagine o que o Estado gastou com sua formação, para você jogar tudo fora". O outro respondeu, respectivamente: "Não sei se me importo tanto com minha pesquisa, preciso ter outras experiências na vida para saber se isto é mesmo o máximo"; "E daí?"; "Um Estado que não aproveita os profissionais que forma (ao não disponibilizar vagas) não pode exigir nada em troca".

Apesar de falar tudo isso com voz firme, o visitante sabia que não acreditava muito no que estava dizendo. Era uma forma de prevenir um possível fracasso. Principalmente frente a tudo o que o outro tinha conseguido. O residente ficou quieto algum tempo e, depois, mudou de assunto. 

Mais tarde, no quarto de hóspedes, o visitante estava mais sensível que de costume. Pela proximidade do amigo, da acolhida, da bebida, o visitante pensou no futuro incerto que a vida lhe apresentava. Com trinta e seis anos, na verdade seria muito difícil deixar tudo para trás e começar de novo. Ainda mais, em algo que não acreditava realmente. Deitado na cama, olhando o escuro, comovido, chorou.

No quarto principal, ouvindo a respiração suave da esposa, ainda aturdido com o que o amigo lhe falara do futuro, o residente finalmente percebeu sua situação. Estava casado. Seria pai, em breve. Algo maravilhoso. Tinha um bom emprego e uma vida confortável. Mas, com apenas trinta e cinco anos, nunca, nunca mais mesmo poderia fazer o que quisesse. Se tivesse vontade de ir ao Egito, ficar de papo para o ar durante uma semana, usar bermuda e chinelo de dedo, o que fosse, afetaria não somente sua vida. Afetaria a vida de sua mulher, de seu filho, de seus colegas, de seus alunos. Se brigasse com o chefe, não poderia simplesmente lhe dar uns tabefes. Ou ir embora. Agora estava firmemente ligado às suas responsabilidades. Teria que acontecer algum dia. Ou será que não teria? Deitado na cama, olhando o escuro, comovido, chorou.

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