LARANJA DICOTÔMICA
Lula Moura

Onze de setembro de 2001. Não precisaria falar mais nada. Duas torres sucumbiram, estarrecendo o mundo. Não sou numerólogo, mas me ocorreu agora o fato do número onze (11) lembrar duas torres em pé. Dá pra pensar, concordam? 

Misticismos à parte, o caso é que ali a laranja partiu, dividindo as opiniões. De um lado dela, vários gomos indignados com a violência “terrorista”. Do outro, gomos afirmando ser “apenas” uma violência gerada por outra maior, mais perversa, só que paulatina, o Capital Opressor Dominante. Mas a laranja estava bichada, antes mesmo de ser partida. Não tem jeito, os dois lados foram atingidos. Estão podres. Violência é violência. Deve ser rejeitada, seja qual for o pretexto. Eu, descendo do muro, fico com a segunda banda. O egoísmo das chamadas Classes Dominantes é, a meu ver, o maior vilão. Só que entre Bin Laden e Gandhi, é claro, fico com o segundo. A PAZ é a melhor arma, sempre!

Onze de setembro, de 2002, agora. O mundo não parou, mas o Rio de Janeiro sim. Perplexos com a situação do Sistema Penitenciário, vimos à inversão de valores parecer atingir seu ápice. Um certo “poder paralelo” subjugando e testando os limites do poder oficial. Fazendo do presídio seu quartel. Decretando feriado, etc... Percebe-se aqui, novamente, a mesma laranja dicotômica. De um lado, aqueles gomos que acham que tem que matar todo mundo. Do outro, gomos que defendem a tese que diz ser, tudo isso, reflexo de uma distribuição de renda covarde e, sobretudo, de um processo de chances desiguais. Eu, outra vez, vou ficar com a segunda banda. Só não estou achando um sinônimo de Gandhi pra contrapor com o Fernandinho Beira-Mar (o Bin Laden doméstico).

Falando em coisas-de-casa, no meio dessa confusão toda, fui tomado de surpresa ao ler os jornais e me deparar, numa terceira página, com a foto de uma pessoa conhecida. Numa tentativa desesperada, trocam-se os comandos. E nessa dança louca das cadeiras, eu vejo Hugo Freire, major da PM, conduzido à Direção do Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe). Justamente o olho do furacão deste outro “onze de setembro”. Olhei a foto, e me perguntei: -Esse cara é o Hugo?... Senti uma sensação de admiração, que aos poucos foi sendo substituída pelo temor. Gosto dele. Sempre me passou uma coisa boa. Chegar num posto destes, neste momento, é uma faca de dois gumes: reconhecimento e risco. É ele quem vai ter que partir a segunda laranja. Espero que todos os gomos das duas bandas o respeitem. Que ele receba, através das boas energias, a sabedoria de Gandhi e uma sorte grande. Vai precisar...

Mas o sucesso na reorganização do Sistema Penitenciário é apenas a contenção do problema. Porque solução mesmo, nem o Hugo, nem as autoridades de segurança, sozinhos, podem dar. A maneira de diminuir a violência urbana é diminuindo a miséria. O Estado (leia-se: Classes Dominantes) tem que garantir acesso a um pote mínimo de saúde, educação, alimentação e emprego (trabalho produtivo). Deve chegar nas áreas carentes, antes do outro poder, e tomar posse, fincar bandeira. Aqui faço também uma mea-culpa. Precisamos participar. No mínimo, cobrando. Parar e, juntos, pensar numa solução. Toda a sociedade...

Bem, deixe-me tomar um copo d’água que essas laranjas estavam muito amargas, e me deixaram com sede. Tem aí?

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