ESTE TEXTO EU FIZ PARA VOCÊ 
Mairy Sarmanho

Este texto eu fiz para você, apenas para você, que, provavelmente, nunca irá ler, já que duvido de sua coerência, senso ou razão. Tenho certeza de que vai preferir se fechar nesse mundinho cinza que você criou e ficar propenso a acreditar apenas em suas verdades e jamais se expor às dúvidas que afligem todos nós. Mesmo assim, dei-me ao trabalho de escrever para você, de forma a me fazer bem o desabafo e a raiva que coloco para fora nesse momento.

A vida, meu caro, é uma faca de dois gumes.

Nada funciona como a gente pensa no princípio. A ordem das coisas é definida no exato momento em que decidimos o rumo e o caminho a tomar. Eu decidi uma coisa, você decidiu coisa diferente. Não que eu esteja totalmente certa, sequer você totalmente errado. O fato é que somos diferentes, chegamos a este mundo com uma bagagem diferente, buscamos aqui coisas diferentes umas das outras. Também somos espíritos, não apenas corpo. Quando estamos nesse planeta acreditamos apenas em nossa bagagem genética e nas culpas que infringimos aos nossos pais, porque é mais fácil do que admitir os erros porventura cometidos. Hoje, sei que estou nesse mundo para curar feridas anteriormente abertas, pedir desculpas, sanar erros, auxiliar aqueles que prejudiquei e para, quem sabe, alcançar a paz tão almejada. Mesmo com você. Apesar de você.

Não sei se existe perdão, mesmo assim, eu rezo para perdoar.

O que posso fazer, nesse momento, é esquecer e deixar para lá a vontade que tenho de me vingar. Gostaria, sinceramente, que as coisas não tivessem ido para esse ponto. Mas foram. E nada vai mudar esse fato. Não me arrependo do que fiz, você não me deixou opção melhor. Quando se vê um trem descarrilado despencando em sua direção, você tem que tomar uma atitude. Fiz o possível para magoar o menor número de pessoas e impedir que você cometesse novos erros que seriam imperdoáveis e irreparáveis. Compreendo seu ponto de vista mas acho que você devia mudar sua forma de agir e de ver o mundo. Estamos aqui para aprender e ensinar uns para os outros as lições. Gostaria, de verdade, que você tivesse aprendido alguma coisa com tudo isso.

Infelizmente, como lhe conheço muito bem e sei como funciona sua cabeça doentia, tenho certeza de que nada disso lhe valeu como lição. E que vai ter de sofrer novas penas até aprender sobre o fio fino da navalha e como dói o corte dilacerante na carne.

Parece que faz muito tempo mas o tempo é uma armadilha do destino. Não faz tanto tempo assim. Para mim, vai longe o carretel de amarguras que você teceu em nossa volta, só para cobrar aquilo que não tem lógica. Mas as pessoas mudam e nenhum carrasco consegue ter a força para sempre: o poder lhe foi arrancado das mãos e elas são vazias. Tenho certeza de que muitos olham por minha família e por aqueles que amo. O mesmo não acontece com você. Em sua volta existem apenas credores e cobradores de vermelho que exigem o pagamento das dívidas que contraiu nesses anos de desatino e inconstância. E isso não é uma coisa física, é algo de espiritual. Os fantasmas vão rondar a sua vida até que seja paga a dívida de forma integral.

E isso você não pode evitar.

Houve um dia em que pensei fazer justiça com minhas próprias mãos. Mas os anjos que me cercam foram rápidos o suficiente para impedir a besteira. Nada justifica um erro. Muito menos outro erro. Se eu tivesse feito isso, nossas vidas ainda iriam se cruzar, mais uma vez, e esse ciclo medonho nunca iria ter fim. Não fui eu quem começou mas errei ao continuá-lo. Deixo você sozinho para aprender aquilo que deve ser atraente e necessário para sua sobrevivência enquanto espírito . Como deve ter percebido, acredito em coisas das quais você sempre duvidou e por isso mesmo estamos andando em direções opostas e, provavelmente, nossos destinos jamais irão se encontrar nem nessa, nem em outra vida. Estou procurando a paz perdida e julgo já tê-la encontrado: descobri uma agulha num palheiro. E isso só podia ter acontecido com a ajuda de Deus e de todos os anjos disponíveis.

Você não pode mensurar a força do destino que intercedeu por mim e me colocou frente a frente com as verdades escondidas. Perdoei e fui perdoada por todos aqueles que se dispuseram a fazê-lo. Exceto você. Nunca chegaremos a um consenso. Pelo menos, não nessa vida. Deixo você para trás, menino reprovado no ano letivo e sigo em frente para cumprir a missão para a qual fui destinada. Você não pode me impedir de fazer algo por todos, só porque acredita que lhe devo alguma coisa. Não lhe devo mais nada. E isso é o princípio do rompimento.

Quando montei minha vida da forma pretendida, agi certo. Sou feliz. Nada espero de você nem de qualquer um que porventura possa acreditar que me deve algo. Dou por encerrada essa etapa de minha vida e que daqui para frente quero fazer algo por todos. Não mais por alguém em especial. Quero encerrar o compromisso e poder seguir em frente da melhor forma possível. 

A vida, meu caro, é muito mais do que a nossa presença nesse universo em particular: ela é, sem dúvida, o complemento da divindade que vai além de nossos sonhos e pretensões humanas. Existem milhares de almas e todas elas têm um destino e um caminho a cumprir. Não somos tão especiais como imaginamos e nem tão pequenos quanto acreditamos ser. Somos parte de alguma coisa maior e para isso, para que possamos assumir nossa posição nesse todo, é que estamos aqui. Eu, você, todos nós.

Sei que parece estranho escrever um texto e divulgá-lo com a única intenção de ser lido por alguém que, provavelmente, nunca irá ler e se ou fizer não vai entender a dimensão do que estou expondo. Mesmo assim, isso vai aliviar minha raiva e meu ressentimento. Prefiro desabafar a engolir sentimentos que somente me farão mal.

Não importa, realmente, se você vai ler ou compreender o que está escrito. Isso talvez seja alcançado apenas numa vida posterior quando a luz finalmente alcançar sua alma. Porém, isso vai me fazer bem e vai me libertar para sempre da armadilha que tecemos para nós.

Agora sou feliz.

Se, por um lado, nossa existência nos aflige impondo presenças e relações que são de nosso desagrado, por outro, temos muito a aprender com elas. Como diz a sabedoria popular, família a gente não escolhe: ela nos é imposta por Deus e pelos homens. Mas a continuidade disso tudo cabe a nós decidir. A vida, torno a repetir, é uma faca de dois gumes: se por um lado ela fere, por outro pode nos salvar.

E eu estou salva.

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