FICOU
Márcia Cardador

Ficou ali, olhando o sangue escorrer. Encostou a mão na barriga e ela voltou vermelha, muito vermelha. Não doía ou quase não doía. Pensou que a dor seria maior. A faca também estava vermelha. Caiu ali do lado, quando o outro virou para correr. Nem sentiu o golpe. Faca.

Ficou com medo. Olhou em volta, a rua escura, já era tarde da noite. Ninguém à vista, ninguém para ajudar. Queria gritar, mas o grito escorria da garganta como o sangue da barriga. Vermelho. Foi encostando no muro e deslizando devagar para o chão. O muro também ficou vermelho. Mas só um pouquinho. Queria pensar. Pressentia o zumbido nos ouvidos, a perda dos sentidos.

Ficou com raiva. Por quê? Por que ele? Ali, naquela noite, daquele jeito? Queria esmurrar o ar. Não era justo, nada era justo. Procurou pelo menos uma pedra para jogar. Queria urrar.

Ficou triste. Sentiu saudades de tudo, de todos, do futuro. Tanta coisa ainda para fazer, tanta coisa ainda para consertar. Queria correr, queria gritar.

Ficou ali, olhando o sangue escorrer, chorando baixinho.

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