MORCEGOS NA ESCOLA

Flora Rodrigues

Eu estava a dar aulas para adultos, numa escola primária velha e com poucas condições. Como era ensino de adultos as aulas eram à noite. Era um grupo pequeno, mas muito interessado e trabalhador. Éramos poucos, e a maioria de nós quase da mesma idade. Como não tínhamos mais para onde ir, acabávamos por passar os intervalos juntos e formámos uma grande amizade, o que foi bom porque fez com que as aulas decorressem com mais harmonia. Por vezes, a confiança já permitia que fizessem certas brincadeiras, sem nunca se perder o respeito nas aulas, o que tornava o ambiente alegre.

Eu tinha medo de morcegos, sempre tive, e na verdade se diga que em termos de beleza a natureza não lhes foi abonatória. A verdade é que ninguém escolhe nascer feio ou bonito e por isso os pobres morcegos não escolheram ser assim. 

Bom, mas o que estava a dizer é que a confiança já permitia certas brincadeiras. Por isso nem liguei quando um dos meus alunos avisou que me ia cair um morcego em cima, enquanto escrevia no quadro. Só quando ouvi um barulho e me apercebi de um vulto passar fugazmente ao meu lado, é que vi que era verdade. Na realidade caído no chão, a meu lado estava um pequeno morcego, bebé ainda acho eu. As minhas alunas (mulherzinhas, já) ficaram encolhidas de medo e eu tentando disfarçar o meu, disse que não havia motivos para sustos, que era só um morcego bebé perdido. 

Com medo tentei apanhar o bichinho do chão, mas por repulsa ou por medo não consegui. Nesse momento, um dos meus alunos que por baixo da capa de homem duro, era uma pessoa sensível e gostava de animais, ofereceu-se para o apanhar e ensinou-me a mexer nele sem que ele me fizesse mal. Toquei no bichinho a medo. Acho que ele estava mais apavorado do que eu, e o mais engraçado, é que apesar de achar que não tocarei mais num bichinho desses a sensação de lhe fazer festas foi magnífica. Foi uma sensação única tocar no seu corpo. Era pequeno, frágil e muito macio, tão macio como se estivesse vestido de veludo. Sentir o seu coração a bater apressado, descompassado, fez-me perceber como era sem sentido o pavor que sentia por aquelas criaturas. Naquele momento consegui sentir uma grande ternura pela pequena cria que afagava.

Decidimos fazer o intervalo nessa altura e levámos o morcego para o quintal da escola. Quando voltámos achámos que o morceguinho tinha encontrado o seu caminho. Nesse dia quem aprendeu uma lição de respeito e carinho pela vida animal fui eu.

No dia seguinte a meio da aula, alguém me avisou que em vez de um, tínhamos três morcegos pendurados por cima do quadro. Nunca percebi como, sempre pensei que os morcegos tinham medo da luz. Será que eram atraídos pela luz do conhecimento? Respondi que nesse dia tínhamos a família inteira e apresentei-os em tom de brincadeira como os novos alunos da aula. Durante mais alguns dias a Família Morcego foi presença assídua nas aulas, depois desapareceram e nunca mais os vimos. Gosto de pensar que saíram dali para formar a sua própria Escola de Morcegos, e nalgum lugar que só eles conhecem, estão agora a ensinar aos outros morcegos coisas interessantes sobre o comportamento dos humanos.

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