QUANDO ELES CHEGAREM
Luciana Pareja Norbiato

Courinho preto e peludo, asas angulosas e ânsia animal. Olhos do lusco-fusco, mas ele sabe bem como guiar-se. No focinho, pequenos furos, trânsito do ar vital no escuro de uma torre escura em um país sem sol.

Morte.

Ao contrário, a ponta-cabeça firmada por garrinhas que se agarram na rota e irregular madeira a romper o ar da noite no alto da torre ereta e rude, castelo irremediável de um rei triste. Sofrer é a sina, é cica travada na garganta e língua, a sorver o gotejante vital vermelho, caminho que o ar percorre para alcançar músculos e pensamentos.

Dor, mas o corpo é tão traiçoeiramente vivo.

Quando abrirem a torre a marretadas, quebrando bloco a bloco a maldosa tristeza que rasga o ar ambiente, os campônios do país de onde o sol foge, coberto que é por uma bruma espessa e cruel, encontrarão o horror inominável de cadáveres conservados em sua falta de podridão, a decomposição estancada pela saliva amarga do bicho que voa por esse ar denso, o bicho a amar cada existência na exaltação de sua não-existência, a morte. Matar para lhes dar a vida eterna, é de sua vontade e desejo e dedicação atroz.

Assustadoramente lúcidos, os cadáveres mortos transpiram mais vida do que quando plantavam e colhiam e amavam um amor vazio em busca de sentido para tudo que faziam. Mais vivos do que quando vivos, na saliva do alado negro rato, e ele não gostaria de ser assim subestimado se em si encerrasse alguma vaidade - mas apenas existia - encontraram redenção de seus pecados e a paz de quem não pensa, transcendendo mesmo a inocência estúpida dos que não se pensam porque não podem suportar o que vêem, não porque desnecessitam.

E pensar que fôra o pequeno animal de asas pontiagudas como seus dentes... Um ser menosprezado... Os campônios, decerto assustados com o cenário que lhes fugirá a compreensão, moverão céus e terras para matá-lo, ele que é na verdade o salvador. Mas os céus e terras dos campônios são escassos, ralos, comezinhos, enquanto o serzinho não conhece fronteiras para sobrevoá-los.

Sendo assim, move-se.

Há de oferecer a salvação a outros tantos.

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