ÚLTIMO ADEUS

Maurício Cintrão

Cara Marcela,

Depois de tantos anos juntos, chegou a hora de me separar de você. É evidente que meu desinteresse já estava claro até para você que nem percebia minha ausência. Sempre fui seu incentivador e contribuí decisivamente para que as coisas chegassem a este ponto. Tenho minha culpa, sim. Mas alimentava a esperança de que fosse apenas uma fase da sua vida.

Quando você resolveu revolucionar seus hábitos, achei que seria muito positivo. Afinal, ao estabelecer novos projetos de vida, você renovaria sua maneira de ver o mundo e estaria mais inteira ao meu lado. Ledo engano.

Começou com a leitura dessas revistas femininas. Sexo daqui, sexo dali e, de repente, apareceu com aquelas idéias estranhas: comprar brinquedinhos em sex shops, experimentar posições de atleta sexual, usar cremes e óleos das mais diversas matérias-primas.

Devo admitir que achei interessante, a princípio. Especialmente naquele dia em que a Olga, sua amiga de Praga, passou a noite conosco. Até pensei que fosse ficar para sempre. Mas preferiu mudar para a casa da Clarinha. Incrível, nunca imaginei que a Clá tivesse essas preferências. Sabe que ela até ficou mais bonita depois da chegada da gringa?

Bem, o fato é que você foi se afastando de mim. Não sei precisar ao certo quando isso aconteceu. Acho que foi naquela festa zen, no interior. Todas aquelas caras diferentes, conversas estranhas e comidas exóticas criavam, de fato, um clima propício para novas experiências. Talvez eu não estivesse preparado para as tantas novidades que surgiram a partir de então.

A começar pela culinária, tudo mudou. Nossas receitas de família foram abandonadas em nome da suposta alimentação saudável. Frutas, frutas, frutas... até peixe entrou na dieta. Bem que meu chefe chegou a elogiar a minha elegância, mas eu não ligo para isso, você sabe. Depois veio aquela coisa de dormir em tatami, tomar banhos quentíssimos com flores e as aulas de Tai Chi Chuan, ai, que coisa chata! 

Confesso que não resisti. Até tentei, mas depois que você me convidou para assistir às aulas de pansexualismo, desisti de vez. Eu estava triste. Eu fui ficando triste. E sem você ao meu lado, sem o seu apoio e a sua compreensão, acabei encontrando um outro alguém (e você também encontrou os seus alguéns porque eu nunca acreditei naquelas conversas de reuniões freqüentes para discutir os mistérios do eu).

Bom, o fato é que estou indo embora. Por favor, não faça cerimônias. Pode ficar com tudo. Nesse esforço de mudar hábitos e buscar novas alternativas de vida, redescobri o prazer das coisas simples. Estou me mudando para uma região erma, perto da praia. Ar fresco, clima ameno e pouco barulho. É disso que preciso. Caso fique constrangida, fale para os amigos comuns que desapareci. Talvez seja mais fácil para explicar.

Espero não perder sua amizade. Caso tenha uma recaída, mande um alô. Sempre vou estar disponível para boa conversas.

Bom, é isso. Receba um beijo.

Bóris

PS: nunca vou esquecer seus olhos alegres quando chupávamos cabras na madrugada

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