MAL ALMADOS

Rodrigo Covelati Ramos

Não entendo nada de arte. 

Esse "nada" pode até parecer niilista, mas não saberia... Se um dia entendi um mínimo, esse mínimo já preferi esquecer, ou abandonou-me como um segundo que perdi, sem jamais possuí-lo de fato, apesar do relógio me dar certeza de tê-lo transcorrido completa e insubstituivelmente. Em todo caso é nada mesmo. Se bato o olho num naïf e num Goya, opto pelo primeiro sem piscar e vou esvaziando o bolso, já sempre quase vazio, deixando só o da condução.

O ônibus passou reto, presto e indiferente à gente que acenava dando sinal. Gesticularam palavrões e impaciências, distribuídos à mãe do motorista, à vida, à prefeitura e a Deus, aleatoriamente. Peguei meu naïf, e felicitei-me de novo pela boa compra.

A menininha espichou os olhos para o objeto da minha distração fazendo com o dedo: "Tio, aquilo ali é um morcego?". Era um naïf bucólico. Fiz que sim, sendo uma borboleta, porque achei impróprio o "tio" .

Mas é isso, essa febre de vampiros parece uma praga. Os homens primitivos costumavam pintar animais nas paredes internas das cavernas como um jeito de capturar a alma da alimária feroz ou apetitosa. Aparentemente os morcegos, não sendo apetitosos, invadiram as cavernas atrás do que lhes pertencia. Andam por aí hoje em dia, todo pachola, dentes pontudos, apoderando-se de nossas almas e batendo recordes de audiência. 

PS: hoje já podem me chamar de Tio, aliás, há dois dias já podem.

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