VOVÓ JÁ DIZIA

Ubirajara Varela

"Você não vai falar nada, Carlos? Esse seu silêncio é de morte. Você tem o direito de ficar chateado, meu amor, eu sei, mas não é por gosto que vou a essa recepção, é por necessidade. Todos os nossos patrocinadores estarão lá. Preciso fazer os devidos contatos para garantir o sucesso da nossa empreitada."

"Para falar a verdade, vai ser uma chateação. Eu queria mesmo era estar em seu lugar, poder ficar em casa hoje, ainda mais sendo o nosso terceiro aniversário juntos."

"O quê? Ficar? Não, não dá para ficar de jeito nenhum. Mas não se preocupe, logo que possível, dou aquela fugidinha à francesa, você me conhece, e estarei aqui para comemorarmos sossegados."

"Poxa, meu bem. Ponha-se só um pouquinho no meu lugar. Imagine o que eu terei de suportar: aquelas conversas fiadas, casos previsíveis, que nada acrescentam às nossas vidas, risos forçados, futricas, fofocas, intrigas. Lá deve estar assim de mulheres invejosas, que ficam avaliando de cima em baixo a roupa de uma, as medidas da outra, contando vantagem do silicone que colocaram, da lipo que fizeram, comparando as contas bancárias dos maridos. Tudo isso para que consigamos dar um rumo à nossa vida. Estou sentindo que a hora é agora, meu amor, ou vai ou racha. E vai dar certo. Estou confiante."

"Olha, Carlos, estou perdendo a paciência. De nada vai adiantar ficar me olhando dessa forma, como se eu fosse uma perversa ou coisa pior. Eu vou e pronto, acabou, está decidido. Você está agindo igual a um garoto mimado. E guarde essa vassoura, por favor. Quarto não é lugar para essas coisas. Por que você a trouxe para cá?"

"Tudo bem, desculpe. Não queria ser grosseira. Por que tantos adereços? Ora, meu amor, preciso impressionar aqueles empresários. Uma boa apresentação é o melhor cartão de visitas e, como diz o ditado, a primeira impressão é a que fica." 

"Deixa de bobagens, Carlos. Eu não tenho outro, não. Meus olhos sempre foram para você."

"E o coração? Lógico que é seu."

"E a boquinha? Também."

"A perninha? Tudo, ora. Os olhos, o coração, a boquinha, a perninha, a pele, o que eu tenho é seu."

"Meu Deus! Que horas são aí no seu relógio? Preciso correr, ou perderei a recepção. Já estou atrasadíssima. Como estou, meu bem? Ah, não. Pára! Quantas vezes preciso repetir que é necessário? E vê se guarda essa vassoura logo. Vassoura no quarto não dá boa coisa. Vovó já dizia."

"Carlos. Carlos? Carlos! O que é isso que acabou de entrar pela janela? Parece um... ai, ai, ai! É um morcego. Espanta ele daqui, eu tenho pavor desse bicho nojento. O que você vai fazer? Isso, a vassoura. Bate com a vassoura nele. Bem na cabeça. Matou? Agora joga fora, pela janela mesmo. Danem-se os vizinhos, ou quem estiver passando lá embaixo. Ainda bem que essa vassoura estava aqui, meu amor. A recepção? Acho que não vou mais àquela festinha idiota. Como nós vamos comemorar nosso aniversário? Espera. Aonde você vai? Não, não precisa. Deixa ela aí mesmo, esqueça o que eu falei, podemos precisar novamente. Estou com umas idéias..."

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