PARALELAS E ARCO-ÍRIS
Ivone Carvalho

Era o último dia da minha permanência na cidade de Salvador. Após uma longa - mas ao mesmo tempo, curta - estadia de uma semana, finalmente eu conseguia me desligar do mundo à minha volta, deitando meu corpo na areia sob o sol de trinta graus que nem me permitia sentir o calor que eu sentiria em São Paulo, sob a mesma temperatura, tendo em vista a brisa do mar e o vento gostoso que refrescava a minha pele.

Mais duas ou três horas e um veículo de transporte me levaria de volta para o Aeroporto de onde eu deixaria para trás dias inesquecíveis.

Não foi difícil esvaziar a mente por algum tempo, permitindo à alma assumir o corpo naquele instante. Momentos raros, como esse, são tão importantes, que deveriam ocorrer diariamente, não fosse o esquecimento de que a vida é muito mais do que trabalho, comida, casa, sono, diversão, palavras.

Não sei por quanto tempo viajei sem pensamentos, sem sentir a matéria, ao sabor da brisa que me transportava para algum lugar inatingível quando os pensamentos bloqueiam esse tipo de viagem.

Sei que, de repente, me vi sentada na areia, olhos perdidos num mar de águas limpas, onde as ondas, cadenciadamente, pareciam vir me contar os segredos que Yemanjá guarda em sua morada. Era como se o seu manto se arrastasse com toda sua luz e esplendor, vindo trazer a proteção que sua filha, mais uma vez, lhe agradecia e ao mesmo tempo lhe implorava.

No horizonte, o sol disputava a beleza e a autoridade do oceano, refletindo seus raios dourados nas verdes águas.

Ninguém ao meu redor. 

Além do hino cantado pelas ondas que se perdiam na praia e do vento que acompanhava a suave melodia, eu ouvia apenas a minha voz que, serenamente, passara a fazer parte daquela orquestra cheia de encantamento. 

Por instantes, passou-se quase uma vida inteira na minha mente.

Alguns fatos que se alojaram por tanto tempo no fundo do meu coração, e que, por motivos vários, tentei muitas vezes esquecê-los, evitando, assim, aberturas de feridas que custaram a cicatrizar; outros, que compuseram momentos de irrestrita felicidade, ou permitiram-me a conquista de outras tantas alegrias.

Segundos depois eu analisava a última semana. Dias repletos de novidades, em lugares nunca antes visitados, ao lado de pessoas encantadoras vindas de todas as partes deste Brasil imenso, unidas por objetivos comuns e que, aos poucos, revelavam-se como gente na mais verdadeira acepção da palavra.

Algumas demonstrando humildade, carências, ânsia de lutar honestamente para a conquista daquilo que mais acreditam, belezas interiores que jamais deixam de ser reveladas quando mais nos aproximamos e à medida que o tempo flui. 

Outras, que no início se mostravam gente como a gente, revelando, depois, num pequeno espaço de tempo, a hipocrisia, a desonestidade, a ambição e até a covardia que revestem suas vidas e seus modos de ser.

Recordei, em poucos minutos, tudo que vivi naquela semana.

E, quando eu menos esperava, a primeira lágrima escapou dos meus olhos, ao me lembrar algumas coisas que, para mim, tinham uma importância ímpar e que não aconteceram.

Não teria, ainda, chegado a hora para que acontecessem? Ou será que jamais sobrevirão?

Claro, muitas foram as alegrias, algumas muito sonhadas por longo tempo, e que tinham se realizado nesses dias. Algumas, com toda certeza, que eu nem acreditava que um dia se tornariam realidade e que vieram a concretizar-se, fazendo, doravante, parte da minha felicidade, já que esta é constituída de momentos felizes, de simplicidade e de realizações.

Por que algumas coisas que a gente tem tanta certeza que ocorrerão em dado momento, simplesmente não acontecem? Parece que tudo se converge para a inexistência daquilo que teria sido de vital importância existir naquele instante.

Mas, o coração da gente não compreende muito determinadas coisas e, por mais que busque a razão, não encontra uma resposta convincente. E tem que apenas aceitar o não acontecimento, criar a esperança de que aquela não era a única oportunidade, entender que o momento certo ainda não chegou.

Alguém chamou a isso de paralelas, descrendo que as cores do arco-íris podem se encontrar sim, dentro do pote que existe no final dele, onde o maior tesouro poderá estar reservado para o dia desse encontro.

O pote é imaginário? Não seria melhor dizermos que o pote representa o coração onde guardamos toda nossa maior fortuna?

Prefiro acreditar que as cores do arco-íris representam cada um dos nossos bons sentimentos e que, mais cedo ou mais tarde, se unirão, fazendo refletir o brilho que nossa alma revelará quando o grande encontro acontecer.

E, mais uma vez, agradeci por tudo que já vivi e por tudo que, certamente, viverei na hora certa, porque nada acontece por acaso.

Enxuguei as lágrimas que teimavam em me fazer companhia, embora eu soubesse que, em momento algum, estive ali sozinha porque a presença da Rainha do Mar era quase que palpável. E a reverenciei:

- Odoyá!!!

Lembrei-me de olhar o relógio. Restava pouco tempo para que eu aproveitasse mais um pouco aquela sensação tão rara e preciosa.

Sabia que dentro de poucos instantes a vida voltaria ao normal. 

Deitei novamente o corpo na areia. Lentamente, permiti que as pálpebras fechassem meus olhos uma vez mais, como a cortina que se fecha após o fim do espetáculo. 

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