BEM-FEITOR DE LIVROS
Ubirajara Varela

Eu sou o maior colecionador de livros da minha cidade. Poucas pessoas sabem disso, mas tenho uma coleção vastíssima, com muito mais exemplares do que a biblioteca municipal. Livros de todas as categorias, em diversos idiomas, edições raras, tenho muito de tudo.

Quando recebo visitas em minha casa, sempre as levo para conhecer a minha biblioteca particular. Elas ficam maravilhadas. E eu, sinto o ego reconfortado, além de espécie de cócegas na boca do estômago, dizem que é a adrenalina. Aliás, toda vez que fico nervoso isso acontece, recebo um bombardeamento dessa substância no organismo, tenho uma espécie de tique nervoso, involuntário, minhas pálpebras não param de piscar.

Outra coisa que quase ninguém sabe é o modo como eu conquistei as minhas edições. Não vou falar que sou um ladrão, porque acho um termo bastante vulgar. Também não considero um furto, pois os livros foram apropriados de pessoas que não tinham o menor zelo ou cuidado com a conservação dos exemplares, logo estariam danificados. Então é mais apropriado dizer que sou um "bem-feitor dos livros", ou algo parecido.

Muitos são os benefícios que uma boa coleção pode trazer ao seu bem-feitor. Um deles seria, claro, mulheres. Livros de poesia, principalmente, atraem-nas, facilitando a conquista. Só de elas saberem que os tenho em minha casa é suficiente, não preciso declamar um verso sequer. Aliás, posso me gabar, sempre tenho a mulher que desejo, graças à minha erudição (ou melhor, à minha coleção).

Falando assim, pode-se até pensar que sou um mau-caráter, um conquistador barato que fica pulando de galho em galho, melhor dizendo, de mulher para mulher. Não, não é nada disso: na maioria das vezes nós namoramos um determinado tempo, só que, infelizmente, os relacionamentos são breves. As mulheres que conheci gostavam de livros sim, mas não tiveram paciência para um romance. Elas preferiam os casos curtos.

Com Leocádia foi diferente. Conhecemo-nos numa livraria por acaso, ela a procurar uma raridade, pediu-me informação. Disse-lhe que era impossível achar tal exemplar ali, tratava-se de uma obra esgotada, porém eu o possuía em minha casa e o cederia a ela com prazer.

Logo estava ela lá em casa, deslumbrada com a minha biblioteca. Vendo seus doces olhinhos vidrados nos meus livros, tive um acesso de piscadelas (aquela história do ego e da adrenalina). Foi justamente neste momento, ela encantou-se comigo: veio para me socorrer, praticamente me pegando no colo, não deu outra, caiu na rede.

Não demorou nada para que eu conhecesse a casa dela também. Leocádia possuía uma modesta, porém apreciável coleção. Tive outro acesso, quando percebi uma raríssima coleção da Barsa, completa e em ótimo estado, a qual eu procurava fazia tempo. Fui acudido pelos seus carinhosos afagos, recuperei-me. Um bom carinho ou uma xícara de café sempre resolve o meu problema.

(***)

Infelizmente meu namoro com Leocádia durou pouco. Desta vez fui eu que não tive vontade de levar o caso adiante. Ela ficou desconsertada, chorou muito, contestou de várias formas, por quê?, entretanto eu tive de ser duro, não podíamos mais ficar juntos. Afinal, eu tenho os meus princípios, não sou um mau-caráter. Depois de me “apropriar” daquela maravilhosa coleção da Barsa, completa e em ótimo estado, a qual eu procurava fazia tempo, a única solução foi romper o namoro.

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