ALMA LAVADA
Larissa Schons

Passa a semana toda e eu nada. Não que não tenha tempo durante a semana. Uma horinha a gente sempre tem. Mas eu gosto mesmo é de passar horas e mais horas ali. Por isso espero o fim de semana. No sábado sagrado, chego e já me sinto dona do ambiente. Cafezinho, chimarrão, água mineral à vontade. Não bebo nada, opto por um apel careés, sempre fui mais chegada nos doces. Minha avó quando viva, que Deus a tenha, fazia speculaas (bolachinhas de canela) e nos presenteava nas nossas vindas de Porto Alegre com potes cheios delas. Como se isso fosse relevante no momento!

Clarinha me olha de longe, percebe que estou a meditar, dou um breve sorriso e continuo com meus devaneios. Ela sabe que prefiro esperar. Mas e Chico, será que vai demorar? Aposto que vai! E vai fazer o que sempre faz. Aparece quando já me sinto com a alma lavada, e fala o de sempre, diz que está com saudades, que estou cada dia mais linda. Minha auto-estima transborda. 

Pobre coitado! Se os homens soubessem que são nessas horas que damos o bote. Eles nem sabem das transformações que sofremos. Mas tudo em nome do amor, por favor. Guido, meu professor de artes, dizia que as mulheres são como feras presas que quando soltas ficam como se estivessem no cio. Da mesma forma me sinto. A semana toda trancafiada nessa jaula, chamada apartamento, e quando aqui venho transformo-me e daí, meu bem, é sex appeal o que mais tem. E adrenalina, seretonina, tudo que é ina já que rima. 

Chega! Não agüento ouvir essa matraca falando de Gianechinni, Paulo Ricardo e Camile. Eu quero é que esses italianinhos vão pra puta que o pariu. E levem essa mulher junto. Droga! Tava numa transe tão boa. 

- Ei, ei, Clara, queridinha, quero o de sempre. Pode ser? Cansei de esperar.

Vermelho, vermelho, vermelho... amo cores fortes. É como se eu me sentisse ainda mais viva. Quero ser a própria labareda quando Chico chegar. Isso aqui cai bem, heim? Deixa a gente flamejante. 

Clara, não me olha assim! É tudo tática, joguinho de sedução, sabe como é... Você já leu Dom Casmurro? Pois então, sabe que a Capitu com aqueles olhos de ressaca deixava Bentinho doidão, não sabe? Eu tenho cá certeza que Capitu valorizava e como valorizava aquilo que Deus lhe deu. Não tenho dúvidas que ficava horas aplicando rímel e lápis nos olhos. E daí hahaha, daí tragava de uma vez o que vinha pela frente. Bentinho, Paulinho, Luizinho, homem é tudo igual, estão aqui ó na palma da nossa mão. Vai por mim, mulher!

Veja-me como exemplo, basta uma produção, uma melhorada no visual, pitada de ousadia, quebra de paradigma, pronto. Tenho aos meus pés, Chico Buarque de Holanda, o homem que me ama com toda a força da alma. Nem pense que é milagre. São os anjos, os sonhos, a lua. Ah, Clara, e vê se não esquece, quero massagem, limpeza, lavagem, hidratação, depilação completa.

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