LAVANDO A ALMA
Luciana Priosta

- Perfeitamente. Pois não? Está tudo em ordem e dentro de duas horas a documentação estará em suas mãos. Sim? Claro, no modelo que o senhor solicitou. Tem a minha palavra. Como? Todos os recolhimentos estão em ordem, os comprovantes estarão em suas mãos até o fim do dia. Até logo e estamos sempre às ordens.

Desligou o telefone espumando de raiva. Voou até o RH. Contou até dez em russo e fez uma prece em latim.

- Bom dia - arreganhou os dentes num arremedo de sorriso que mais parecia o rosnar de uma onça - o Sr. Oswaldir acabou de nos telefonar. Os holerites não chegaram na empresa e ele gostari...

- Não precisamos de clientes como esse. Ele que espere.

Contou até dez em latim e fez uma prece em russo. Abriu a boca tentando argumentar mas foi enxotado com um abanar de mão. Suspirou derrotado e retirou-se. Dentro de duas horas o Sr. Oswaldir, aliás gerente de uma empresa com 150 funcionários dos quais "não" precisavam administrar a folha de pagamento, ligaria novamente. Decidiu abreviar a agonia. Não sem antes fumar um cigarro e tomar três xícaras de café. 

- Curtume Malvina Cruela bom dia. 

Malvina Cruela? Ficara tão indignado que os dedos estavam tropeçando no teclado do telefone. Riu de si mesmo e de suas miragens auditivas.

- Desculpe-me, eu errei o número.

Teclou novamente.

- Curtume Malvina Cruela bom dia.

- Oh, desculpe-me, errei o número.

Não era possível. Estava precisando de férias. Tentou de novo.

- Curtume Malvina Cruela bom dia, e não, o senhor não errou o número, estou transferindo sua ligação.

Ficou mudo.

- Alô. Malvina Cruela falando. Preciso de seus serviços. Meu motorista irá apanhá-lo.

Mal desligou o telefone, e a recepcionista avisava-o de que um funcionário do Curtume Malvina Cruela esperava-o na portaria. Alguém muito espirituoso, ou doido sabe-se lá, batizou o curtume com o nome da vilã. Só podia ser isso. Deu de ombros, juntou suas coisas e dirigiu-se a portaria. Entrou no carro e chegou até um luxuoso escritório no centro da cidade. Foi conduzido a uma sala de espera muito elegante. Alguns minutos depois uma mulher aparece pela porta de vidro lateral. Seu rosto de feições belas, porém cruéis, era coroado por uma vasta cabeleira preta e branca. Deus! Malvina Cruela!

- Bom dia, que bom que pôde vir rapidamente. Não quero tomar muito seu tempo. Aceita um café?

- Um triplo sem açúcar por favor...

Durante toda a conversa Malvina Cruela mostrou-se educada e gentil, no entanto muito direta. Estava ampliando seus negócios no Brasil e a cada dia se assustava mais com a quantidade de impostos deste país. Mas uma coisa a maravilhava: o jeitinho brasileiro. Era possível contornar qualquer coisa! Que paraíso! Havia sido atraída pela disponibilidade de mão de obra barata e pela isenção de vários impostos que conseguiu a custo de alguns poucos subornos bem direcionados. Não gostaria de fazer nada ilegal mas se isso não pudesse ser evitado... Precisava de um parceiro para administração de sua folha de pagamento com cerca de 1200 funcionários e a sua empresa havia sido muito bem recomendada. Neste ponto piscou para ele. Caso houvesse alguma fiscalização que não pudesse ser contida com presentinhos seria necessário que alguém respondesse às perguntas dos gentis fiscais do ministério do trabalho...

Após o acerto de uma pequena comissão e assinatura de alguns papéis fecharam o negócio. Quando voltou para a empresa passou-lhes os detalhes da negociação. Seriam 1200 funcionários com taxa de 120% sobre salários! Entregou-lhes também sua carta de demissão. Ao sair pode ver pelo canto dos olhos o sorriso ganancioso de seu ex-chefe ao contemplar as taxas negociadas. Será que precisariam desta cliente?

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