TENHO ASAS, QUERO VOAR!
Ivone Carvalho

Sentei-me e debrucei o corpo sobre a mesa, de braços cruzados sob o queixo, observando a gaiola que deixei ali em cima. Queria contemplar por algum tempo, com mais calma, alguns minutos da vida do pássaro. 

Pulava de poleiro para poleiro, depois nas vasilhas de alpiste, água e vitamina. Percebia meu rosto aproximar-se da gaiola, entortava levemente a cabeça, prestando atenção na intrusa. Piava.

Novos pulos, um bater de asas, um vôo curto, porque espaço ele quase não tinha. Parada em posição deslumbrante sobre o poleiro superior. Cabeça erguida e pose de quem sabe o que está fazendo, desata a cantar a canção que eu mais gosto, num estribilho que só outros canários conseguiriam acompanhar, mas que seria facilmente seguido, orquestrando a melodia, se ele estivesse solto, no seu mundo, em alguma árvore ou galho, onde sua família pudesse também estar presente. 

Tentei imitá-lo. Ele gostou. Passamos a trocar assobios, eu de cá, ele de lá, sempre deitando a cabecinha para o lado, como que a prestar atenção e me desafiar. Em seguida ele novamente pipilava. 

Passei a falar e então parou, como quem prestasse atenção nas minhas palavras.

Contei-lhe o quanto somos parecidos. 

Disse-lhe que, tal como ele, tenho asas e muita vontade de voar. Mas que também o meu espaço é pequeno, existem grades que me isolam de um mundo maior, de um mundo que deveria ser inteirinho meu, onde eu pudesse pular de galho em galho, respirar o ar puro, alimentar-me daquilo que a natureza produz, cantar e gritar quando tivesse vontade, bater as minhas asinhas para lugares distantes, voltando quando bem quisesse e se quisesse.

Contei-lhe, também, que da mesma forma que ele, cada vez que eu vislumbro a porta da minha gaiola aberta e penso que alguém me quer bem, me entende e está se predispondo a me permitir alçar vôo, logo depois eu descubro que era alarme falso, que apenas abriram um tantinho só a porta, observaram se estava tudo bem (no entender deles), me deram um pouco de ânimo, me alegraram por alguns instantes mas, subitamente, fecharam novamente a pequena abertura, nem mesmo me perguntando se quero continuar ali presa ou se eu seria mais feliz se pudesse realizar os meus sonhos de voar.

Ele piou, como se estivesse realmente entendendo tudo que eu estava dizendo e concordasse com cada uma das minhas palavras, percebendo que alguém o entendia, talvez por eu ser, realmente, muito parecida com ele.

Eu acho que se ele pudesse, ele também choraria naquele momento para mostrar-me sua solidariedade ou, quem sabe, de emoção, por ver-me, de certa forma, solidária a ele. 

Senti, naquele momento, que se uma porta se abrisse para mim, eu não me perderia e saberia muito bem o que fazer com a tal liberdade. 

E, se eu saberia, por que ele se perderia ou morreria, como dizem que costuma acontecer com os pássaros que sempre viveram engaiolados e de repente são libertados? 

Não! Eu e ele somos iguais! Por isso, não pensei duas vezes. Levei a gaiola até o quintal, abri sua portinha, peguei o canário na minha mão, dei-lhe um beijo e um assobio e o soltei. 

Batendo asas, alegremente, ele pousou no muro, deitou a cabecinha para o lado, piou, cantou, bateu asas e voou....

Pelo menos ele, hoje, está feliz...

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