O COZINHEIRO
Ubirajara Varela

Meu nome é Roberto, e a princípio isso basta. Sou conhecido pelas minhas habilidades culinárias, superiores a de qualquer mulher. Aliás, eu não sei porque as mulheres detêm a fama de serem as melhores nesta arte. Tirando a minha mãe, nunca conheci mulher que soubesse preparar uma boa ceia. O máximo que eu posso dizer é que elas são treinadas desde cedo para lidar com isto, como obrigação, um papel social. Mas daí a dizer que são boas, há uma grande distância, os maiores chefes do mundo são homens, e eu posso me gabar por ser ótimo no meu ofício, sou capaz de criar e improvisar pratos sensacionais, mesmo dispondo de poucos ingredientes.

Por isso mesmo, não foi difícil arranjar um emprego na Cantina do Jota. Bastou eu entregar meu currículo para ser convidado à entrevista. Conversamos um pouco, bobagens em geral, depois fomos para a cozinha, a fim de fazer a verificação prática de meus dotes. Fiz um prato simples, uma pasta regada a molho secreto, porém suficiente para que o patrão ficasse encantado.

Bom, a partir daí, iniciei meu trabalho como chefe-cuca daquela Cantina. Meu horário de trabalho ficou estabelecido de sete horas da noite até o fechamento. Tudo bem, porque eu tenho facilidade para me adaptar ao período noturno. Mesmo antes, quando não tinha o emprego, eu ficava acordado até mais tarde assistindo à televisão. Aliás, é durante a madrugada que se passam os melhores programas. Outro dia, vi um desses maravilhosos filmes policiais, um clássico, o qual contava a história de um cozinheiro que tentava assassinar o seu patrão, envenenando-o aos poucos, mas que era pego no final. Eu não envenenaria o meu, estas coisas acontecem somente no cinema ou na literatura.

Eu estava adorando o meu serviço. Tinha liberdade para experimentar receitas e idéias, a maioria delas eram aprovadas, o salário era bom. A Cantina ia bem, a clientela se fixando, interessada nas minhas iguarias, o patrão satisfeito. Também me dava bem com os outros funcionários. Havia apenas um que não me tinha simpatia, o antigo chefe, Jéferson, que fora rebaixado para assistente meu. Eu podia ver em seus olhos ciúme e ressentimento. Ainda assim, ele insistia em fingir cordialidade, levando os pratos que eu preparava especialmente para o patrão; eu aceitava, tentava combater aquele rancor.

Jota sempre fora um homem muito forte, elegante, prezava uma boa apresentação, afinal, sua cantina era bem freqüentada. A saúde era notável em sua face. Então, ninguém entendeu a repentina série de visitas que ele fizera ao pronto-socorro: uma espécie de inflamação estomacal o acometia. Estranho, porque Jota comia bem, dono de restaurante, podia escolher os alimentos mais saudáveis e exigir que saíssem gostosos, não bebia, não fumava, o único vício era ouvir discos do Cauby Peixoto. 

Mais estranho ainda, foi o modo como Jota fora encontrado morto: estava com a cara afogada em um prato de sopa de camarões que eu havia lhe preparado, um inchaço enorme no abdômen, o telefone fora do gancho e a vitrola tocando a música Conceição, que estava arranhada e não saía do refrão.

Quando os policiais chegaram, perguntaram-se como poderia haver pessoas que ainda ouviam aquele tipo de música. Não encontrando resposta em comum para esta questão básica, voltaram-se para o trabalho propriamente dito. Apuraram os fatos, coletando amostras de possíveis provas, principalmente da sopa, tiraram fotos, entrevistaram os funcionários. A princípio não descobriram nada além do óbvio: o sujeito comia ao telefone, ouvindo um LP, tendo suas vísceras estourado. Interditaram o local, levaram o corpo de Jota para o legista.

Dois meses depois saíram os resultados. Geralmente essas coisas são lentas, não entendi como se deu tão rápido. Descobriram, depois de várias análises, que o patrão fora envenenado aos poucos, através de uma toxina quase imperceptível, colocada propositalmente em seus pratos especiais. Não chegaram a suspeitar de mim, pois possuía boas referências, me dava bem com todos. Averiguaram Jéferson, daquelas maneiras que só a polícia e os criminosos têm para arrancar alguma informação de alguém. Ele confessou que não perdoara Jota por me dar o seu lugar; ainda, eu seria o próximo.

(***)

Agora estou assistindo a um filme desses que passam durante a madrugada, é o único horário da programação que não tem baboseiras. O filme conta a história de um cozinheiro que tenta assassinar o patrão, envenenando-o aos poucos, e é pego no final. Acho que é uma reprise.

.: F i M :.

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