BRILHOS DE NATAL
Virgínia Pinto e Nosé

Ela mal podia acreditar. Era Natal de novo e sequer tinha tido tempo de colocar em prática as promessas do final do ano passado. Num misto de descontentamento, falta de opção e lamento, aceitou mais uma vez que as festas de final de ano estavam aí novamente.

— Quanto mais os anos passam, mais gosto da época de Natal!- falou para as filhas, enquanto montavam a árvore e a decoração que todos os anos era tradição em sua casa. 

Impossível não se render ao clima que esta época a envolvia. Ou melhor, entrar nele era renovar-se, renascer. Aos poucos ia se envolvendo numa sensação de alegria, paz e esperança.

Estes sentimentos eram fruto de uma infância em que os natais eram incomparáveis a qualquer outra celebração do ano. Começava pela árvore. Moravam no interior, os enfeites natalinos eram muito difíceis de serem encontrados e por isso tinham valor de preciosidade. A árvore era sempre a mesma. Prateada, um pouco amassada, com bolas de vidro vermelha que se quebravam facilmente. Eram envolvidas em papel de seda quando guardadas e a impossibilidade de reposição em caso de quebra, fazia a árvore diminuir a cada ano. Montavam-na em cima do piano da sala, por ser um local alto e assim os irmãos menores não teriam acesso e não a poriam em risco. 

O pisca-pisca colorido, com as lâmpadas em forma de flor, era ligado na parede do quarto ao lado, por não existir tomada na sala. Ao anoitecer, alguém sempre "ligava" a árvore e ela se deitava no sofá, com as luzes da casa apagadas, para ver aquele espetáculo único. O brilho daquelas luzes dava a certeza de que algo bom estava acontecendo, e na sua visão infantil, ficava mais alegre, corria pela casa e a expectativa de ganhar o presente pedido era o melhor tempero para tudo. Numa dessas correrias, tropeçou no fio das lâmpadas e tudo veio abaixo. Nem precisou dos irmãos pequenos para fazer a arte. As bolas viraram pó. Morreu de medo da mãe por ter feito tamanho estrago. Olhava para aquele amontoado de coisas no chão e uma tristeza imensa lhe dizia que a árvore tinha se acabado. Nunca soube de onde vieram as novas bolas, mas a árvore apareceu remontada, as luzes consertadas e como que por encanto, voltaram a alegria e os sonhos de menina. 

Muitos anos depois, a facilidade com as importações trouxeram enfeites e bugigangas que só se via em revistas e filmes. Ela já tinha sua própria casa, já era mãe e tinha a liberdade que precisava para fazer da arrumação natalina, uma festa. Dividia com sua mãe o gosto pela tal arrumação e a cada ano, ao acervo natalino de ambas era sempre agregada alguma peça nova, uma toalha com motivos diferentes, enfeites de Taiwan e a imaginação dava a cada coisa o seu valor .

Num daqueles anos a avó ganhou de uma amiga, duas pombas. Uma era branca e a outra vermelha. As penas eram naturais e davam a impressão de que poderiam voar a qualquer momento. Significavam a amizade entre quem mandou e quem as recebeu. Ficavam em local de destaque na árvore e simbolizavam a amiga distante e o carinho que tinham entre si.

Quando as netas foram chegando, tudo mudou. Na metade do mês de novembro ambas transformavam suas casas e o espírito do Natal, vagarosamente, entrava pela porta da frente e tomava conta de todos. As crianças eram o motivo de todas as idéias e projetos. O tio avô, pelas barbas brancas, era o Papai Noel oficial. Planejavam tudo. Ele ficava entre todos antes da meia-noite e minutos antes desaparecia. Voltava tocando a campainha com o sino na mão. Ao som da música natalina as meninas ficavam em estado de choque. Dependia da idade. Algumas vezes choravam assustadas, outras, de tão alegres esqueciam tudo para abrir o presente esperado, em forma de prêmio, pelo bom comportamento que tinham tido durante o ano. E demorou anos para perceberem que o Papai-Noel sempre esteve entre elas. Era uma noite mágica, de sonho, alegria, oração e encontro com o que tinham de melhor, a casa da avó. Poderia existir coisa melhor que esta casa? Era, sem dúvida, a casa dos sonhos e das delícias!

As meninas cresceram, não acreditam mais em Papai-Noel mas incorporaram em suas almas, o espírito do Natal. No ano em que a avó partiu, não fizeram Natal. Foram levadas pela mãe para bem longe, para inutilmente fugirem da dor de não tê-la. Ao final do dia de Natal as meninas pediram:

— Mamãe, nunca mais faça mais isso conosco e muito menos com você! 

— Isso o que? —  perguntou a mãe.

— Não tente apagar o Natal de nossas vidas. A vovó nos ensinou a amar o Natal e no próximo ano queremos tudo do jeito que ela fazia. Enfeites, comidinhas especiais e alegria...

Foi uma lição de vida. A mãe enxugou as lágrimas, pediu desculpas e tomou uma decisão: 

— Meninas, sem Natal, nunca mais!

Neste ano, quando montavam a árvore uma das netas pegou as pombas e lembrou do significado delas. Colocou as duas em lugar de destaque e celebrou o sentido que elas traziam consigo.

— Lembra de quem eram essas pombas, mamãe?

— Sim, filha. É impossível esquecer o valor que elas tinham para a vovó e agora passaram a ter para nós.

Muito mais tarde, em silêncio, a mãe voltou à sala. Apagou todas as luzes, "ligou" a árvore e voltou no tempo. O brilho do Natal a aconchegava e um cheiro da infância invadiu o ambiente. Chorou de saudade, mas principalmente de alegria e agradecimento por ter nascido no berço em que nasceu...

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