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MINICONTOS DE NATAL
MINI-CONTOS DE NATAL 2002
todos os mini-contos do mini-concurso para a mini-mensagem de natal dos macros-anjos de prata

ESPÍRITO DE NATAL
Adlai Hoartmann

Que merda é essa caralho!?

O corpo gordo e úmido do velho ocupando metade da pequena sala. As crianças no colo da mãe, o menino de 7 anos com os dois grandes olhos castanhos escurecidos e endurecidos pela cena, alternando-se entre o velho caído sobre o tapete e o pai com a espingarda na mão, a menina de 4 anos esconde as lágrimas dentro do pijama de algodão puído.

Aqui está todo mundo acostumado com tiro, esquenta com isso não, ainda bem que...

Ainda bem o que porra? a rua tá cheia de meganha sua besta

A favela está acesa, pobre é barulhento, quem se importa com estampidos? são os fogos, fogos de artifício

Quem é esse aí?

O negro com um três oito na mão inquieta e cara de quem estava tentando dormir questiona olhando para a barba branca e ensanguentada do cadáver.

Tentou entrar aqui, ainda bem que eu estava na guarda, deve ser civil o filha da puta

Civil? Civil fantasiado assim?

Ou deve ser ladrão, olha isso aqui cara, um velhote gordo e ladrão, que mundo mermão que mundo!...

O pai mostra um saco enorme cheio de produtos eletro-eletrônicos, bonecas que dizem "sim mamãe", Barbies Bibliotecárias, bolas de futebol, doces e chicletes de menta que espocam na boca.

Caralho o velhote levou as Lojas Americanas!!

Vacilou, agora os produto é meu!

Epa, peraí! eu que peguei o cara, o morto é meu e o que é dele evidentemente é meu também

Epa, tu mora numa casa que é minha, na minha favela e cheira a minha coca

Porra neguinho qual é, vai me humilhar na frente do meu filho?

O moleque não tira os olhos do sangue que mancha as meias brancas do velho.

O Pai aponta a espingarda na barriga do negro e o cutuca.

Qual é?

Os produto é nosso, fica frio aí irmão! e o espírito do Natal?

Qual é?

Os dois abrem largos sorrisos de cumplicidade, o pai vira-se ao menino e diz:

Olha lá filho, ele não parece aquele velhinho da propaganda de Natal da Coca-Cola?

AUTO-AJUDA
Alberto Carmo

Encerrava-se o encontro anual da SDPH - Sociedade dos Doutos pelo Progresso da Humanidade. Os patronos deixavam o plenário; o auditório, repleto de estudiosos e professores, espalhava-se em colméias.

O chefe da mesa, doutor de fecundos diplomas, saiu resmungando, fazendo vista grossa ao fanatismo do povo crente. Voltou aos livros e ao cadinho, buscando explicação para a ausência de fé.

O professor de História saiu com o pensamento voltado aos primeiros cristãos mártires. Voltou ao capítulo de Nero e às mazelas do primeiro século.

A química famosa saiu entre anotações na agenda, tentando mais uma vez equacionar as reações físico-químicas que causam o fleuma dos céticos, e o êxtase das multidões.

O filósofo correu à biblioteca doméstica, na busca incessante de um autor que lhe explicasse o fenômeno popular.

A assistente social foi direto ao albergue preparar a sopa dos enjeitados. O teólogo foi visitar o amigo pároco, de quem se servia do vinho caseiro e da missa dominical.

A faxineira recolheu cinzeiros e a papelada deixada pela platéia culta. Saiu à tardinha, levando um saco plástico com bonecas e carrinhos.

Era véspera de Natal, tinham pressa. Atendiam cada um ao seu chamado.

SEM TÍTULO
Carlos C. Alberts

Natal com neve. Como sempre sonhara. Desde que o pai contara a ele, ainda criança, sobre como era a véspera de Natal na Alemanha. Um sonho, para alguém nascido em um país tropical. E ele tinha conseguido. Um pequeno chalé na Floresta Negra. Aluguel barato até mesmo para seu padrão de bolsista. Muita neve lá fora. A ponta de um cipreste, com enfeites comprados na feira de Nürenberg, como árvore de natal. A chama na lareira sendo, fora o candelabro central de madeira, a outra fonte de luz da minúscula sala.

A mesa posta. O prato principal era um Tender preparado artesanalmente. Havia também vários bolos, roscas e bolachas, típicos daquela região e daquela época do ano, produzindo um aroma maravilhoso. Do aparelho de som vinham músicas natalinas antigas, em alemão e em português, fazendo-o lembrar-se da infância. Presentes colocados sob a árvore.

Serviu champanhe a todos. Levantou o cálice e propôs um brinde. "Ao Natal. E que todos posam ter uma noite tão boa como a nossa". Caminhou até a outra cabeceira da mesa e tocou seu cálice no do pai. Este lhe sorriu da fotografia do quadro colocado sobre o prato. Tocou o copo de sua esposa, depois o da irmã, do cunhado e dos filhos. Todos, seguindo o exemplo do Patriarca falecido, também sorriram de suas fotos. Sorveu um gole. Esperava que os seus, lá no Brasil, também lembrassem dele, entregando um presente quando se encontrassem, dali a dois meses, quatro dias, onze horas e, aproximadamente, quinze minutos. Sorriu e, enquanto comia, começou uma animada conversa com a foto de seu filho caçula, o qual estava a mais de doze mil quilômetros de distância.

UM SACO DE PAZ
Luís Valise

No dia de Natal a rua estava vazia de homens. Andando de uma esquina a outra, Tânia rezava por ao menos um cliente que lhe pagasse um quarto onde passar a noite. Não perdia o humor: "Nem que fosse o próprio Papai Noel!".

Não foi tanto, mas foi quase: um carro preto veio rodando lentamente junto ao meio-fio, até parar perto dela. O vidro da janela foi abaixado, e um homem convidou-a a entrar. Dentro estava quente, a música era suave, o homem bonito. Ela disse o preço. Ele ofereceu o dobro pela noite inteira.

Foi o melhor Natal de sua vida. O hotel era limpo, o homem era honesto, gentil, e brocha.

O MAIOR PRESENTE DE NATAL
Ivone Carvalho

Apesar do parto normal, foram muitos os pontos e isso não lhe permitia, ainda, locomover-se com facilidade, nem tampouco ficar em pé, por tempo maior. Sentia-se fraca quando insistia em alguns afazeres domésticos.

Por esse motivo, naquela noite, eles não poderiam fazer o que já tinha se tornado um hábito naquela data. Não iriam ver amigos, nem tampouco unir-se aos familiares. Todos estavam ocupados demais preparando suas festas e, assim, também não viriam juntar-se a eles. Afinal de contas, em todas as casas a noite seria como nos anos anteriores: casa bonita e enfeitada, muita gente, muita comida, muita bebida, muitos presentes, muita música, muitos risos, muita alegria. E sem horário para terminar.

Por volta de dez horas da noite ele chegou do trabalho. Cansado, exausto! A vida de vendedor não era fácil, principalmente num dia como aquele. Mas isso não o entristecia, porque foram muitos meses de desemprego e agora já conseguiam equilibrar a situação financeira da casa.

Abraçou-a pedindo-lhe que preparasse o jantar enquanto ele tomava seu banho. Ao voltar, encontrou a mesa pronta para dois: nada além de arroz, feijão, couve e lingüiça. Foi o máximo que ela conseguira fazer naquele dia, por serem pratos que não lhe davam trabalho e nem exigiam muito tempo em pé, evitando, assim, algumas tonturas que vez ou outra a incomodavam.

Sentaram-se e comeram meio calados. Ambos sabiam o que se passava na mente do outro.

Era quase meia noite quando foram para a sala a fim de, juntos, verem as comemorações em algum programa na TV.

O bebê chorou. Sorriram e ela o pegou nos braços. Era uma linda menina, com apenas uma semana de vida.

Na TV iniciou-se a contagem regressiva. Cinco, quatro, três, dois, um!

Beijaram-se com a filha no colo e agradeceram a Papai Noel pelo maior e melhor presente de Natal que já haviam recebido.

Eram, agora, uma família de verdade. Com lágrimas de uma felicidade ímpar, beijaram o bebê enquanto ela lhe entregava o seio, para a amamentação, pedindo a Deus que todos os seus Natais fossem sempre assim, sempre um Feliz Natal!

MINI CONTO DE NATAL
Ivone Carvalho

Rita sentou-se no meio fio da calçada. Juntou os joelhos, apoiou neles os cotovelos, segurando o queixo. Nos olhos negros, duas lágrimas teimavam em rolar. Prestava atenção nas crianças do outro lado da rua.

Algumas exibiam suas novas bicicletas, outras, passeavam e mostravam suas lindas bonecas com roupas extravagantes, outras ainda, brincavam nas calçadas com brinquedos esquisitos, alguns que andavam sozinhos no chão, enquanto seus donos apertavam botões em caixinhas minúsculas em suas mãos. Todas elas vestiam roupas bonitas, coloridas, limpas, novas e usavam calçados que brilhavam. As meninas tinham os cabelos bem penteados, cheios de fitas ou enfeites que as tornava mais belas.

Rita olhou seus pés descalços e sujos. Ainda segurando o queixo, passou os olhos sobre sua roupa rasgada, preta da fumaça da rua. Inconscientemente, coçou a cabeça como que a procurar uma fita que não existia em seus cabelos.

Sentiu o cheiro gostoso de comida que crescia à sua volta. Seu estômago doeu. A fome parecia aumentar. As lágrimas rolaram, uma atrás da outra, em silêncio.

Foi despertada pela aproximação do Carlinhos que atravessando a rua, trazia-lhe um pedaço de panetone e um saquinho de balas. Rita respondeu seu chamado, erguendo os olhos e, ao estender as mãos para pegar o seu presente, sabia que não poderia abraçar o menino, porque não estava decentemente vestida, nem tampouco limpa, mas foi com toda meiguice e alegria do mundo que respondeu ao Carlinhos:

- Brigado Papai Noel, brigado Menino Jesus.

PAPAI NOEL EXISTE
Míriam Salles

"Não existe Papai Noel e pronto!"

Mariana, aos sete anos, estava revoltada com os adultos que insistiam em dizer que Papai Noel existia. Ela sabia que não. Tinha acabado de ver o Papai Noel se levantar e foi atrás fingindo que olhava os brinquedos. Viu quando ele entrou na copa e, sem que ninguém percebesse, abriu uma frestinha na porta por onde viu o "velhinho" tirar a barba para tomar café.

Agora vinham tentar convencê-la de que o Papai Noel existia? Que aquele era só um ajudante? Não, ela não acreditava. Era naquela mesma loja que a levavam ano após ano para visitar aquele mesmo Papai Noel e entregar a cartinha. Não, não existia Papai Noel mesmo. Assim pensando, Mariana batia os pézinhos no chão, furiosamente.

Saiu andando pela loja olhando tudo que podia. Eram milhares de brinquedos, cada um mais atraente que o outro. Olhava um e anotava mentalmente para colocar na lista. Espera aí, que lista? Se Papai Noel, não existe, como fazer lista, ou melhor, para quem fazer lista? Quem será que colocava os presentes debaixo da árvore todos os anos? Quem lia a cartinha que ela entregava para o Papai Noel se ela não fazia cópia? Não podia ser nem o pai nem a mãe já que viviam dizendo que tudo era caro, não tinham dinheiro para nada e que aquele natal seria difícil.

Continuou andando e pensando nos brinquedos que ia deixar de ganhar, na boneca que tomava mamadeira e fazia xixi no piniquinho que lhe tirava o sono, mas foi somente quando chegou na seção dos colares e pulseiras que tomou uma decisão.

"Mãe, acho que o Papai Noel é de verdade sim. Sabe o que é? Ele deve ter tido piolho na barba que nem eu tive no cabelo e teve que cortar curtinho. Por isso ele tá com a barba de mentira."

PAPAI NOEL SAZONAL
Paffomiloff

Abaixo do cinto escuro, cingindo o veludo vermelho, disfarçado pelo vão enchimento, roncava o estômago do Papai Noel sazonal.

Mas seu riso alegre venceu o algodão colado, regando nossa combalida fé: "Feliz Natal até para nós".

CORAÇÃO DE ESTRELAS
Paffomiloff

Da menina, o balão deixou os dedos, mas levou o coração.

Vencendo rojões da euforia dirigiu-se ao infinito azul dos céus, lar de tudo que é leve.

SOLIDÃO
Mairy Sarmanho

Estou só. A luz que vem dos outros faróis aumenta ainda mais a . A estrada se move em minha volta, como uma imensa esteira rolante, ampliando meus gestos, ensurdecendo meus ouvidos. Meu coração bate ao acaso, sem compasso, numa tentativa frustada de produzir alguma música.

Não consigo me lembrar quem sou ou, ao menos, o que faço nesse fim de mundo. Devo ter tido um derrame ou estou louco. Olho minhas mãos: enrugadas. O espelho retrovisor avisa que o tempo passou por minha pele, causando rugas. Penso parar o veículo, mas o medo me impede. E se morrer aqui, nessa estrada quase vazia, em plena noite, quem irá perceber? Poderão se passar horas, dias, até meses antes que algum curioso verifique. Ficarei à mercê dos abutres. Não quero isso, não mereço isso, mereço? Recordo o rosto delicado de minha esposa pedindo que tenha cuidado. Ela sempre diz meu nome. Qual é, mesmo? Quero lembrar: pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Quem sou? Por favor, cérebro, responda: quem sou?

Percebo um enorme saco no banco de trás. Devo ser um vendedor, desses que passam o tempo inteiro na estrada, tentando enfiar goela a baixo algum produto inútil para as pessoas que moram no interior. Estou velho e cansado, mas ainda tenho de trabalhar. Trabalhar...

Recordo meu ofício original: sou marceneiro. Lembro das horas em que passo na oficina, criando, esculpindo... Mas, se sou isso, o que faço nessa maldita estrada, sozinho, tão longe de casa? Casa. Minha casa é linda, telhado vermelho, paredes caiadas... Jardim que minha esposa cultiva em nossas vidas. Vida!

Começo a rir. A memória retorna como um raio, ultrapassando o tempo, nas investidas que a natureza domina, ligando neurônios, explicando, reacendo minha existência, trazendo sentido para tudo...

Peço para que as renas acelerem o passo e prossigo na distribuição de presentes. Não estou só: o sentimento natalino me acompanha. Estou velho mas sou tão necessário que ainda viverei milhares de anos. Feliz Natal! Hohohoho!

SERENATA
Míriam Salles

Era véspera de natal, dia 24 de dezembro. Em todas as casas brilhavam luzes e podia-se sentir o aroma das mesas fartas. A cidade rescendia a cera e vinho.

Um grupo de amigos, após festejar com as famílias reuniu-se e saiu pela cidade afora cantando músicas de natal. Escolhiam aleatóriamente uma casa iluminada, paravam em frente e começavam a cantar. Cada um cantava num tom diferente, havia dois tenores, um baixo, uma soprano e uma contralto. Cantavam pelo simples prazer de cantar, de estar juntos e festejar com a música aquela noite especial.

Algumas casas abriam suas portas e os convidavam a entrar. Em outras, podia-se ver as cortinas se afastando. Talvez aquelas não entendessem o espírito com que aqueles jovens vinham, tentando trazer mais do que presentes.

De madrugada já quase não havia luzes acesas. Ao passar numa rua pouco iluminada, viram uma luz fraquinha, brilhando numa das muitas janelas de um prédio baixo e comprido. Era um asilo de velhos. Os meninos pararam e começaram a cantar baixinho para não acordar os velhinhos, pensando que talvez a música os alcançasse através dos sonhos e trouxesse um pouco de doçura naquela noite solitária.

Depois de cantar uma longa seleção, prepararam-se para seguir caminho quando perceberam um lenço branco se agitando numa das janelas. Chegaram o mais próximo que podiam devido à cerca no jardim e ouviram o sussurro: Não parem, está tão bonito.

Emocionados, cantaram mais algumas músicas, com lágrimas nos olhos. Antes de ir embora, sussurraram de volta para o lecinho na janela: Feliz Natal!

E ouviram a resposta: Deus os abençoe.