SEMENTES DA DÚVIDA
Wesley Nogueira

Nara rolava na cama, não conseguia dormir, pensamentos conflitantes lhe tiravam o sono, a situação que vivia agora, na verdade, fora criada praticamente por iniciativa sua. Casada há mais de quatro anos com Valdir, em um casamento sem filhos, mas feliz, ela tivera a infeliz idéia de dar hospedagem permanentemente à irmã, que sempre amou muito, a fim de lhe proporcionar a oportunidade de fazer uma faculdade. 

A irmã morava antes com os pais na sua cidade natal, e para cursar uma universidade, a exemplo da irmã, teve de vir para a capital. Nara, lembrando das dificuldades que passara na república estudantil que freqüentou, ofereceu moradia à irmã. Apesar de não ser uma casa muito grande, nem serem um casal rico, havia espaço para oferecer à irmã o conforto necessário, além de maior segurança e apoio, coisa que ela não teve quando universitária.

Valdir, na primeira vez em que se tocou no assunto, pareceu não ter gostado da idéia, mas concordou com os argumentos e quando Paula passou no vestibular, já estava tudo combinado. 

Inicialmente Valdir era meio inibido, mas a alegria e bom humor de Paula o deixou mais à vontade, se antes Valdir só trocava a roupa pelo pijama depois de Paula deitar e não saía em trajes menores do banheiro, aos poucos ele foi perdendo a inibição e ficando à vontade com a cunhada. Paula já deitava na cama dos dois para assistir a TV, que ficava no quarto, já entrava na briga do controle remoto e na corrida para usar o banheiro, ou seja, passou mesmo a fazer parte da nova família. 

Paula fez algumas amigas, mas raramente saía para festas. Valdir gostava de ir à praia aos domingos com Nara, e esses programas, geralmente, eram aos que Paula gostava de ir. Saiam sempre os três, para uma pizza ou algo assim. Na Praia Nara começou a notar que a irmã havia crescido, adquirido um corpo de mulher, que aliás, ela começou a achar mais bonito que o dela, seis anos mais velha, assim como começou também a notar os olhares de Valdir para a irmã, de biquíni. Valdir sempre foi de apreciar as mulheres na praia, mas ele observar a irmã dela a deixava inquieta. 

A partir desse dia Nara começou a prestar atenção no comportamento do marido e da irmã, a semente da dúvida começava a gerar o ciúme, nada de muito conclusivo ela podia falar ou dizer, mas pequenos gestos de Paula ou de Valdir sempre a deixavam com a pulga atrás da orelha, imaginava porque uma garota tão alegre e atraente como Paula não tinha ainda um namorado, ou porque Valdir parou de reclamar da falta de privacidade deles desde que ela se mudara. 

Não que a forma de Valdir a tratar tivesse mudado, ele era um marido atencioso, nunca era grosseiro, raramente reclamava de algo, era também um amante carinhoso, e se agora tinham de amar somente no quarto e de porta trancada não era culpa dele. 

Outro fato doméstico a incomodava: Paula estudava somente pela manhã, estando em casa o restante do dia. Valdir chegava do trabalho no fim da tarde , às vezes vindo almoçar em casa, pois o trabalho externo dele como supervisor de campo de uma empresa de seguros, garantia-lhe um horário mais folgado. Já ela trabalhava até o começo da noite e, por trabalhar longe de casa, geralmente saía pela manhã e só voltava por volta das dezenove horas, deixando a Paula e Valdir muito tempo sozinhos em casa... Essas cismas enchiam ainda mais sua cabeça. Não era raro encontrar os dois conversando, assistindo TV, ou Paula fazendo o jantar enquanto Valdir assistia algo ou lia. Isso, apesar de não ser nada demais, deixava Nara enciumada, afinal Paula estava meio que tomando o lugar dela em casa. 

Mas toda história tem dois lados, e o outro lado da história era que Nara morava com duas das pessoas que mais amava na vida, Valdir era um bom marido, e haviam se casado por amor, batalhado juntos até conseguirem uma vida razoavelmente confortável. Paula era sua irmã, que pela diferença de idade, ela cuidara, sem muitas brigas e rivalidades. Os seis anos de diferença até agora tinham garantido que não tivessem sido rivais em quase nada, além disso, Paula sempre despertara o sentido maternal de Nara, e ao mesmo tempo que sentia Paula roubando um pouco do Valdir dela, também sentia que Valdir roubava um pouco de Paula dela e ela sentia um ciúme duplo. Mas fazer o quê? Criticar Valdir e Paula por serem atenciosos um com o outro e se darem bem? 

Aproveitou uma saída de Valdir com colegas de trabalho para conversar um pouco com Paula, perguntar sobre como ia tudo, namoros, estudos, amizades, Paula foi um pouco retraída, disse que o jeito dela de garota do interior dificultava-lhe encontrar alguém para namorar, até mesmo fazer amizades, e que era uma sorte ter podido vir morar com eles. Nara sabia que sim, pois ela mesmo encarara o mesmo drama anos antes, e tivera de morar numa república com outras garotas, fizera amizades, mas fora difícil adaptar-se, e só quando conheceu Valdir é que conseguira se adaptar, namoraram por um ano e casaram, por opção, poderiam simplesmente ter ido morar juntos, mas a família dela não aceitaria bem, ela se formara depois do casamento e, ambos trabalhando, formaram a vida juntos. Filhos eram evitados porque achavam que ainda não tinham o suficiente, e eram relativamente jovens, poderiam esperar um pouco. 

Essa inconclusiva conversa deixou Nara numa situação ainda pior. Resolveu tentar tirar algo de Valdir. quando ele chegou, foi sondando o terreno, perguntando o que ele achava da Paula, do comportamento dela, Valdir foi só elogios ao comportamento da cunhada, dando um ar meio paternal, embora a diferença de idade fosse apenas pouco maior que a de Nara, nem oito anos completos, elogiou a ajuda na casa, nas tarefas domésticas, que a esposa tinha nela uma grande ajuda, e mesmo com o aumento das despesas da casa, era muito compensador. 

Mais um dia se passou com tudo isso na cabeça, e um fato, aparentemente sem malícia, causou insônia a Nara. Ao chegar em casa, encontrou Paula aos pés de seu marido, cortando-lhe as unhas, aparentemente Paula achava algo completamente inocente, pois sequer ficou constrangida com a chegada da irmã, Valdir também nada disse a respeito. Ao concluir o trabalho, amavelmente Paula ofereceu-se para fazer as unhas da irmã também, mas Nara de mau humor agora bem aparente, declinou da oferta. 

E ali estava Nara, rolando na cama, com ciúmes da própria irmã, mas sem motivos concretos, só suposições. As horas passaram e ela não conseguiu tirar mais que breves cochilos. Levantou cedo e fez o café da manhã, comeu em silêncio, enquanto Valdir e Paula conversavam amenidades, deu respostas monossilábicas às poucas perguntas que lhe eram dirigidas. 

Chegou ao trabalho com cara de sono e mau humor, acabou desabafando com uma colega de trabalho, que encheu mais a cabeça dela com a história que homem é tudo igual, traidores por natureza. Nara começou a arquitetar um plano para pegar os dois no flagra e confrontar o casalzinho traidor.

Com a ajuda da amiga, armou uma espécie de cilada, pediu folga numa tarde em que sabia que Valdir costumava chegar mais cedo, e veio para casa, viu o carro de Valdir, na verdade o carro que ele usava da empresa de seguros, parado na vaga, subiu e abriu a porta de casa com cuidado. Do quarto de Paula vinha um barulho bem suspeito, escutou mais de perto e pareciam realmente gemidos, gemidos de prazer.

Chegara a hora de confrontar os traidores. Colocou a chave extra do quarto na fechadura e girou, abrindo a porta, Paula estava nua, na cama, estava acompanhada, de outra pessoa, também nua, mas só depois de uns segundos Nara notou que não era o corpo de Valdir, aliás, sequer era um corpo de homem, duas mulheres nuas a fitavam da cama, embaraçada, Paula chorava de vergonha, Nara no entanto estava tão aliviada que não chegou a ficar embaraçada com a cena, balbuciou uma desculpa e saiu do quarto, fechando a porta, sentou-se à mesa da cozinha e aguardou a envergonhada estranha sair do quarto, agora vestida, e ir embora sem dizer uma palavra.

Paula também saiu envergonhada do quarto, vestindo uma camiseta, sentou na mesa e começou a debulhar desculpas a irmã, Nara, no entanto, foi estranhamente compreensiva, ouviu a irmã falar de atração, amor e opção sexual, embora concordasse, mas para ela dos males o menor, ela entrou no quarto pensando em acabar um casamento e terminar uma relação fraterna, e agora tinha apenas de lidar com uma opção sexual diferente de sua irmã mais nova. 

Mas uma pergunta lhe veio à mente: onde estava o Valdir? Deveria estar em casa, já que o carro estava na vaga. Recebeu a resposta ao vê-lo entrando em casa, inicialmente sorridente, mas depois surpreso ao ver a mulher em casa. 

Valdir sabia dos encontros de Paula, seu pecado foi guardar o segredo com a cunhada, permitindo mesmo que ela ficasse em casa acompanhada, enquanto ele bebia algo no bar da esquina até a amiguinha de Paula ir embora. Explicou a Nara que não havia contado para não magoar e preocupar a esposa, bem como para atender ao pedido de segredo de Paula. 

Nara ficou magoada com a atitude do marido, esconder dela algo assim, bem como permitir os encontros de Paula em casa, mas era bem melhor do que ela pensava, ela devia ter notado as atitudes de Paula, o comportamento retraído em relação aos homens.

Nara pensou muito bem: seria mais fácil vencer seu preconceito e respeitar a opção de Paula que vencer o ciúme ou ter que disputar o marido com a própria irmã. 

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