FÚRIA EM MANHATTAN
Alberto Carmo

O choque do avião fechou-lhe a passagem. Após a bola de fogo viu apenas o sopro de fumaça negra consumindo o ar, e gritos desesperados por socorro impossível. A tantos metros acima do chão sabia que pouco podia fazer, havia visto dezenas de filmes sobre essas catástrofes no Discovery Channel. Seria mais um dia de esporte radical, como quando deslizava de skate pelas pranchas e fazia malabarismos. 

Colocou os minifones no ouvido e aumentou o volume do walkman. Os locutores gritavam e choravam as frases de sempre: - Oh, my God! Naquele jeito típico dos americanos, que gostam de bater palmas e gritar loas quando sobe algum foguete, ou de chorar copiosamente diante de ciclones, tornados e outras tragédias, que o país costuma sofrer periodicamente e assiste ao vivo.

Olhou para as escadas acima e se lembrou das ondas que pegava em Floripa. Pensou no pai, feliz com a transferência para Wall Street. Sentia orgulho dele, embora não gostasse muito do emprego que lhe arrumou na corretora. - Você vai começar como eu, vai subir lá de baixo até chegar ao topo! - foi o papo que usou.

O topo, era isso. Continuou subindo calmamente. Não levaria mais que uns quinze minutos até o topo. Conhecia bem o caminho; costumava ir até lá depois do trabalho para olhar o horizonte como se estivesse num avião estacionado numa nuvem.

Ria das pessoas com quem cruzava. Todos apavorados, tropeçando uns nos outros. - Que idiotas! - pensou. É só esperar mais um pouco e virão nos salvar a todos. Estamos na América, babacas! Eles sempre dão um jeito em tudo, vocês não vêem na TV?

Parou num andar perto da cobertura. Tinha sede e o calor estava forte como lá no verão da ilha. Queria beber água e procurou um bebedouro. Não havia ninguém no andar, parecia um dia comum depois do expediente, quando descia pelas escadas e entrava num escritório qualquer para espiar. Escutou alguma coisa na sala ao lado. Havia alguém lá. Correu e chegou a tempo de ver o rapaz ajoelhado fazendo uma prece. Depois viu quando ele pegou a cadeira e quebrou o vidro da janela, abriu os braços e pulou.

- Que besteira, cara! - pensou assustado. Imaginou-se vendo o vôo mortal dele na TV. - O Discovery deve estar filmando tudo, amanhã eu assisto. Pensou em ir até a janela e fazer um aceno. Sair na TV, mostrar aos amigos. 

Um tremor fez com que esquecesse da idéia. Voltou às escadas. Mais dois lances e estaria a salvo. Abriu a grossa porta de aço e pode ver o céu. Foi direto ao lugar que mais gostava. No canto, onde podia ver a torre que completava o arranha-céu, o mar de um lado, e as luzes do outro.

Sentou-se encostado na grade. Afastou os fones e ouviu o barulho ensurdecedor. O urro do fogo, a fumaça subindo pelos lados, o vento que já conhecia. - Que zoeira! - pensou.

Tirou o agasalho amarrado na cintura e improvisou um travesseiro. Ajeitou-se como pôde e pôs os fones de volta. Olhou para o céu esperando a hora de ver os super-jatos, os helicópteros, os super salva-vidas descerem para recolhê-lo. Pensou no que diria aos repórteres quando chegasse lá embaixo. Ia ser tudo ao vivo.

O cansaço já chegava e tinha sono. Apagou a voz do noticiário e mudou de FM para fita. Não havia nenhuma fita, apenas aquele som do nada. Aumentou o volume até o máximo e amplificou aquele nada eletrônico. Cruzou os braços atrás da cabeça e fechou os olhos. O sono veio lento, misturado à estática do toca-fitas que estalava os alicerces do som ausente.

Sentiu-se flutuar no espaço, como fazia ao pegar uma grande onda e zombava daquela força. Desceu em grande velocidade e logo estava no chão, moído entre toneladas de concreto e aço retorcido.

As sirenes reclamavam em todos os cantos, anunciando o pavor geral. Nas profundezas dos escombros, o silêncio teimava em gritar mais alto que o teatro humano poucos metros acima. Era preciso não despertar aquele sonho.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.