ALMAS QUE SE ENCONTRAM
Aline Toledo

Vamos começar pelo fim, que é o melhor começo, aliás, o único que realmente importa.

Ela estava deitada na cama há mais de uma hora, sem conseguir dormir. Aquele pensamento insistente a sufocava e não deixava espaço para mais nada em sua mente.

A pergunta e o silêncio. 

Qualquer resposta teria sido melhor.

Qualquer resposta que a tivesse deixado extremamente irritada teria sido melhor.

Porque ela gritaria, brigaria, sairia batendo a porta atrás de si, pisando duro, com tanta raiva quanto sua mãe quando ela, na infância, derramava, diariamente, café na toalha da mesa.

Mas não. Nenhuma palavra.

Apenas o silêncio.

E foi assim, envolta em silêncio, que ele a encontrou. 

O silêncio doía tanto que ela não conseguia chorar.

Já aconteceu com você? A dor é tão profunda que você não consegue chorar. Quer, de fato, chorar, mas não consegue. Quer chorar para sentir um pouco de alívio. Quer chorar para, quem sabe, provocar um abraço carinhoso de alguém, mas nada. Nenhuma lágrima. Assim como nenhuma palavra quando ela perguntou a ele:

A gente quem?

A gente o quê?

Você disse: "a gente pensava em conhecer Paris na primavera". A gente quem? Você e seu irmão?

Daí, o silêncio.

Não era o irmão. Deveria ser ela. A outra. A anterior, a primeira e, talvez, a mais importante. O que será que ele faria se pudesse escolher entre as duas? Com quem ficaria?

Ela nunca teria coragem de perguntar isso porque não poderia suportar novamente o silêncio como resposta.

E a dúvida a consumia.

A gente quem?

A gente era ele e ela mesma. E o silêncio era porque ela não se lembrava. Ela queria conhecer Paris na primavera. Com ele. Ele se lembrava disso, mas ela não. Daí, o silêncio. O silêncio exprimia a dor dele, que virou a dor dela também. 

E a dor dos dois os impediu de conversar.

E, em silêncio, os olhos se procuraram, assim como as mãos, os lábios e os corpos.

Porque o silêncio, que antes os separava, agora os unia.

Porque a mágoa dele pelo distanciamento dela e o ciúme dela pelo silêncio dele significavam a mesma coisa: aquele momento em que algo pode fazê-los acordar um para o outro mais uma vez, como tantas vezes desde que se conheceram, desde o primeiro momento, quando souberam que seriam um do outro para sempre, mesmo separados, mesmo magoados um com o outro, mesmo brigando um com o outro, mas nunca desistindo um do outro.

Quando era criança, ela encarnava como ninguém o estereótipo de menina atrapalhada. E derrubava o café na toalha todo dia. E a mãe gritava, xingava, batia. E, no dia seguinte, o medo de derrubar o café era tanto que suas mãos começavam a tremer e nada mais impedia a mancha na toalha. Até que a mãe se cansou de brigar e ela esqueceu de ter medo.

Há tempos não sentia aquele receio misturado com certeza de que tudo vai dar errado. E dá. Porque nossa mente é poderosa.

Agora, não. Agora, ele estava com ela. Podiam sentir que eram um do outro como no princípio, quando ela não ficava ausente no meio de uma conversa, quando ela não se esquecia dos sonhos a dois, quando ele não precisava provar que o ciúme dela não tinha fundamento. Um novo começo. Porque a vida é feita de recomeços, idas e vindas constantes, os relacionamentos são assim. E por mais que achemos que nunca mais vamos amar de novo, toda a experiência negativa dá lugar à esperança e a gente se pergunta: como podemos ser tão fáceis assim, como podemos resistir tão pouco? Mas lá está ela mais uma vez esperando que ele telefone, ele esperando que ela termine de se arrumar, ela brigando porque ele esqueceu alguma data importante e ele gritando porque ela bateu o carro dele mais uma vez. Só por isso, vale a pena. Pelos desencontros, que são, no final das contas, os verdadeiros encontros, encontros de almas.

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