HIATO NA BR-3
Lula Moura
“A
gente corre na BR-3, a gente morre na BR-3.
Há um crime no longo asfalto dessa estrada.”
Os versos do poeta Tibério Gaspar, compositor da famosa canção dos anos sessenta/setenta, não poderia supor o alcance de um problema que estaria por vir , após o sucesso que explodiu num dos grandes Festivais da Canção daquela época.
A canção ”BR-3”, perpetuada na voz de um Tornado, o Tony, negro-maravilha de passos e compassos rápidos e geniais, foi motivo de muita alegria paro o autor, mas também acabou impondo a ele um silêncio e um hiato em sua carreira...
O Brasil da época, era ditadura pura. O medo dominava as ruas e as pessoas. Palavras, além de atitudes, eram investigadas e, não poucas vezes, deturpadas. O talento era perigoso, aos olhos do poder que fazia de tudo para silenciá-lo.
A comunicação, esse grande desafio dos tempos modernos e dos tempos não tão modernos assim, era usada como forma de impor o poder, justificando e servindo de pretexto para torturas de todos os tipos. “Silêncio para os indesejados, e divulgação para o que nos for de interesse”. E ponto.
Invertendo completamente o rumo da prosa daquela música, um certo escritor colocou em seu livro um boato (plantando por sabe-se lá quem) que dizia tratar-se, a canção, de um hino de toxicômanos, e que BR-3 era uma veia do braço, etc...
Qual nada... A BR-3 era somente uma estrada que ligava o Rio de Janeiro a Belo Horizonte.
Mas o medo e a repressão eram grandes e, pelo sim, pelo não, o boato colou e o nosso poeta foi colocado no “freezer”. Portas, antes abertas, se fecharam. O compositor se viu amordaçado, de mãos atadas contra a injustiça... de verve silenciada. Pior para nós, que ficamos privados de suas canções e seus versos...
Mas, hoje é outro dia, o tempo passou, o gelo derreteu, e Tibério Gaspar, sobrevivente e vitorioso, fez até uma canção que conta essa história em seu disco “Tibério canta Gaspar”. Nesse CD podemos lembrar que ele não é só “BR-3”, é também “Sá Marina” descendo a rua da ladeira, é também “Teletema” (sucesso da antiga novela Véu de Noiva) aonde vai de sol a sol, refeito e perfeito em tanto amor, e tem no maestro Antonio Adolfo, um amigo com quem dividiu seus sucessos... e emoções.
** * **
E de nada adiantou o boato, e de nada adiantou o hiato, imposto, pois imposta agora, somente a voz, na canção, que volta: de vez em sempre.
E aqui, quando eu olho pros meus sonhos, me vejo pequeno, diante de tanta história, de tanta gente, de tanta música, de tanta poesia. Mas o coração é teimoso, e eu acabo deitando, adormecendo nos olhos escorregadios, marejados com a história bonita do poeta que fez “Teletema”. E, saindo da prosa crônica pra mania crônica, deixo o mico sair também, em forma de letras, tentando imitar o poeta e a poesia:
Na bainha da faca de um falso escritor
uma linha, desenho macabro desperta.
E na meta, no alvo: um pobre poeta
que curte o perfume, do que era uma flor.
Mas a faca, que corta, é detida
e a flor atingida, quase morta, ressurge.
Uma pele de outra, uma porta,
traz a luz, e o poeta surge.
Imponente, sua verve hoje volta.
Por sorte, não foi para sempre.
E aqui, mais à frente ele torna
a escrever mais canções para a gente.
Trazendo das coisas mais lindas
que meu ouvido escutou,
no Teletema do tempo e espaço,
doce, ele se perpetuou.
E eu aqui...
E nós aqui...
Ah, vai...
Sem essa de hiato,
voltemos à canção,
saiamos do fato:
“A gente corre na BR-3,
a gente morre na BR-3.”
Um brinde, um porre, à BR-3!
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