SILÊNCIO SEPULCRAL
Rosi Luna

Foram enterrados vivos. A única forma possível de encontro amoroso. Palavras soltas: clandestino, subterrâneo, sepulcro, morto-vivo. O roçar da pele e aos poucos foram ganhando vida. Véu de pele. A única textura capaz de se regenerar. Um olhar abrindo lentamente - olhos nos olhos. Nessa hora, imagética ou fonética não teriam importância. Não podiam falar. Silentes e ausentes do mundo real. Passageiros da eternidade. Não tinham mais relógios e nem cobranças. As lembranças também eram fugidias. Confronto amoroso. A vida sinuosa presa nas curvas do corpo humano. 

O momento era de sensações - mãos e corpos. O passeio das mãos começou roçando a ponta dos dedos. Sopro nos ouvidos, arrepios e calafrios. O corpo feminino foi adquirindo cor e calor. A pele foi tomando de assalto o róseo da luz que entrava pela fresta. Ela molhada com o visgo do orvalho da intenção. Ele com as mãos afundadas no jardim das delícias. Dois seres nus e desprovidos de história. Corpo e alma finalmente se encontravam. A alma nua e a cópula crua. As mãos percorrendo os pêlos. Sedosa sedução. O mundo era um novelo. Tudo se enlaçava. E ali estavam eles por vontade própria de morrer no gozo da vida eterna. Um sopro de vida, o sangue bombeando. A vida voltando. 

A cerca viva de flores, o cheiro de rosas, as velas, e ainda o cálice de vinho. Santo sepulcro do prazer. Pouca luz e nada de abstinência e nem penitência. A luxuria desenfreada do desejo. Ele com mãos percorrendo as maiores distâncias no quadrifólio amoroso - seios, nádegas, nuca e boca. Ela - com mãos tão delicadas, pequenas pérolas rolando sobre a pele de especiarias dele, com cheiro de pimenta, puro ardor. A labareda, os corpos foram ficando em chamas - pequeno incêndio sexual. Nada de palavras. Amar é silencioso. E as mãos que não paravam, as carícias, a total ausência de malícia. Pureza de intenções. Clarões - a vida em folguedos. O vinho rubro da vontade e das provocações. A boca sentindo o hálito, o encontro de línguas sem voz. A língua se contorcendo trêmula - o prazer molhado da saliva. Ele foi girando e virando redemoinho dentro dela. Ela imersa de prazer, arrepios breves, gemidos leves. E nada de palavras. Falar o quê, se as sensações respondiam na linguagem corporal? A ausência de vocábulos e os movimentos cíclicos. Suor, sêmen, pólen, flor entreaberta. Mundo surrealista de hemoglobinas e morfinas. Morte e vida juntas. A poética e a dialética envolvidas num manto silencioso. 

O prenúncio da morte provocou o encontro. A vida, o desencontro. Amar sempre seria uma pequena morte. Falta de respiração e conflitante emoção. Ela nunca conseguiu pronunciar uma única sílaba diante dele e nem poderia. Surda-muda de nascimento. Ele sempre ouvidos para escutar a sua ausência de sons. Diferentes vidas, mortes iguais. A placa dizia "Aqui jaz um casal que se amou na vida e na morte." E o resto era um silêncio sepulcral. 

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