É MUITO RELATIVO
Celso Costa Ferreira

— Sai pra lá, feioso! — foi o que um coleguinha lhe disse na hora do recreio. Era a primeira vez que Claudinho ouvia alguém falar esse tipo de coisa para ele e por isso não ligou. Sabia que era mentira pois em sua casa viviam lhe dizendo o contrário. Ele era "coisinha fofa" para a vovó; "menino mais lindo do mundo" para sua mãe e, no mínimo, "uma gracinha" para o resto da família.

Acontece que o fato se repetiu por algumas vezes e Claudinho passou a chegar em casa com marcas de brigas em que defendia sua "boniteza" com unhas e dentes. Os pais, preocupados, acharam melhor contemporizar:

— Não liga, deixa pra lá...

— Deixo, não! Sou bonito ou não sou?

— Claro, filho.

Claudinho não sentiu muita firmeza na voz da mãe. Pela primeira vez duvidou e foi conferir-se no espelho. Olhou-se de todos os ângulos. Checou nariz, boca, olhos, orelhas e o conjunto. Falou: "É", e foi deitar-se. No outro dia cedo, no café da manhã, disse:

— Sou feio.

— Que é isso, filho, para nós você é lindo!

— Para vocês?! Então minha beleza é só para consumo interno? — podia ser feio, mas era inteligente.

— Não, Claudinho. É que você tem uma beleza diferente, entende?

— Exótica — completou o pai.

Nesse mesmo dia voltou todo arrebentado da escola.

— Meu Deus, filhinho! O que aconteceu? — quis saber a mãe aflita.

— Falei que sou exótico, o Pedrinho riu e disse que exótico é um cara que além de feio, é esquisito.

Com o passar do tempo, porém, Claudinho foi sofrendo uma bela metamorfose. Ficou alto, forte, aprumou o esqueleto, arredondou os cantos e acolchoou as protuberâncias. Saiu da adolescência repaginado e passou a trazer suas namoradas para a família conhecer. Todas exóticas. A mãe, orgulhosa da agora real formosura do rebento, foi ficando inquieta, achando que era um desperdício o seu gato nas mãos daquelas... daquelas exóticas!

Mas não podia usar esse argumento para conversar com o filho e convencê-lo a arranjar uma namorada à altura de sua "beleza clássica". Conceito de mãe é filho-dependente.

Até que um dia, Claudinho chegou em casa com nova namorada, nada exótica. A moça era irrecuperavelmente horrorosa, coitada. Uma coisa... peculiar!, como definiu-a a avó. A família estremeceu-se inteira. As avaliações estéticas foram todas questionadas. A agonia durou três meses até que o manoro acabou. Logo depois Claudinho engatou romance com outra: uma exótica pra ninguém botar defeito. Exótica de cima a baixo. E foi com essa que Claudinho casou-se, com o apoio de toda família. Pelo sim, pelo não...

Hoje o casal tem vários exotiquinhos e exotiquinhas. A bisavó adula:

— Coisinhas fofas, bilu-bilu...

A avó não resiste:

— Netinhos mais lindos do mundo!

Claudinho olha e não diz nada. Evita fazer comentários dúbios sobre questões de beleza. Mas, no íntimo, tem esperança que a adolescência dê um jeito na prole.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.