HOJE ENGOLI UMA ONÇA VIVA
Luciana Pareja Norbiato

Olho nos seus olhos esgazeados, tortos por um tumor que lhe comeu parte da têmpora esquerda. Um fundo na face, insuspeito, inesperado. Sinto vontade de tê-lo, Meu Deus, isso me dói entre as pernas.

Olho para seu rosto no depois do amor e sua cara de bicho me confunde, e vejo o quanto é feio, e o encanto que isso me causa. O encanto que o príncipe-sapo jogou sobre mim, e o espanto por conta de ser ele muito mais sapo que príncipe. Incomoda-me quando o apresento aos amigos. Incomoda-me quando vamos a jantares com o povo do trabalho. É sempre um olhar de, no mínimo, pena, quando não se evidencia a repugnância. Você é tão bonita... Qualquer homem gostaria de amá-la.

Quem gosta de substrato, não vê corpo. Quantos apolos andando por aí com vento na cabeça, nas entranhas.

E quem é que me sabe tão bem a ponto de perceber como ele me inebria? A mão disforme apertando meu sexo, formas impróprias para um homem - mas quem foi que disse que eu quero um homem eu o quero quero esse ser que transcendeu a aparência. Como se ele fora muito mais livre que eu, que preciso de meus cremes, da manicure e do cabeleireiro, e de creme dental branqueador e de cigarro atrás de cigarro para conter o medo de não ser. Não ser o quê? Não ser aceita.

Para ele, não há mais aceitação. Descobriu que o que tinha não era bonito aos olhos do mundo, mas era belo e pleno, pois lhe permitiu viver. E como vive, muito mais do que eu em meu emprego de merda e meus lindos cabelos emoldurando olhos de jabuticaba e um sorriso estonteante e qualquer figura que remeta àquelas mulheres de capa de revista, cafonas e vazias.

E quando nos estamos, quando ele me fende quente para sermos uma coisa só, quero mais é ter os cabelos queimados e a pele elástica, com olhos vazados em sangue para deitar nele meu amor.

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