NOVE MESES
Márcio Benjamin Costa Ribeiro

A mulher esfregava a base do cigarro. Nervosamente. A base do último cigarro da caixa. Olhava para o relógio e esperava, enquanto a criança chorava no quarto. Jogou fora as cinzas e deu uma olhada no relógio. Faltavam apenas cinco minutos. Cinco minutos para a chegada que não foi prometida. Apenas suposta. Uma presença que só existia realmente na sua esperança. Relembrou a quinta-feira. Exatos nove meses atrás. Chovia muito. Os bueiros entupiram e ela tinha dormido mal. Foi atravessar a rua larga e esbarrou em alguém, que caiu no chão. Uma mendiga. Ela levantou-se e olhou a criatura. Sentiu um imenso desprezo. É interessante como este tipo de sentimento reflete no olhar com tamanha facilidade, arrependeu-se agora. A mendiga também a olhou do chão. Não com desprezo. Mas com raiva. Raiva. Pareceu sorrir quando notou a gravidez. Apoiou-se rapidamente na saia do seu vestido e levantou-se, tocando a mão espalmada na barriga protuberante. E falou. No princípio parecia alguma palavra feia. Agora, ela preferia que realmente fosse. Preferia qualquer coisa. Assustada, empurrou a velha, que sumiu tão depressa como apareceu. Permaneceu ainda um pouco parada, na chuva, tentando entender o que acontecera. Procurando não acreditar no que já sabia.

Tudo aconteceu tão rápido. Se ela tivesse ficado em casa naquele dia. Se não tivesse esbarrado na velha. Tornou-se um caso raro. Os médicos podiam ouvir o bebê. Mas não conseguiam vê-lo. Tentavam acalmá-la dizendo que a criança estava bem. Estava tudo bem. Marcaram o dia do parto, e ela estava nervosa. Terrivelmente nervosa. A sala foi preparada. Seu marido decidiu acompanhar o nascimento e segurou-lhe a mão. Ela sorriu, virando a cabeça na direção da porta envidraçada. Foi então que viu a velha. Rindo. E gritou. Foi sedada, só acordando com o choro do bebê. "Ele está bem?" - perguntou."O meu filho está bem?". Sério e pálido como toda a equipe, o médico respondeu hesitante: "Está". A última coisa que se lembra foi da criança lhe sendo entregue.

Faltavam dois minutos. O menino dormia. Ela sonhara a noite toda com a mendiga. A cena se repetia com a crueldade e a sensação de impotência de todos os pesadelos. Mas da última vez foi diferente. A velha dizia-lhe algo. Falava sobre uma saída. Um remédio. Na hora certa. 

Faltava apenas um minuto. Ela pegou o menino no colo e o balançou. "Ela virá" - pensou, enquanto cantarolava para que ele voltasse a dormir. "Ela virá".

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