QUEM AMA O FEIO?
Paulo Henrique Pampolin

Sempre fui muito feio. Quando criança era pior, branquelo azedo, como era chamado por alguns na escola. Para outros era "seco estorricado". O que é "estorricado"? Não tenho idéia, mas tenho certeza de que não é um elogio. 

Cabeçudo, como dizia Seo Antônio, marido da dona Anita. Canela seca, como era tratado por alguns vizinhos. Para Xexeu, meu irmão, era apenas "Ponta", em função das várias pontas que tinha na cabeça por uma deformação da caixa craniana.

Para piorar, papai tinha conta no Jair barbeiro e ordenava que este cortasse meu cabelo estilo "meia-cabeleira". Tem idéia do que seja isso? Um horror... trata-se de corte militar piorado. Máquina zero em toda a lateral da cabeça, sobrando apenas um tufinho de cabelo em cima, próximo a testa. Isso, claro, era a alegria do Xexeu, que via minhas "pontas" com muito mais evidência e me usava como seu brinquedo predileto para rir. Eu? Claro... só chorava.

No exército, aos 18, era chamado pelos outros soldados de "chassi torto" em função da deformação na coluna que intensifica a lordose.

Cresci e poucas coisas mudaram. Talvez apenas os apelidos, pois os defeitos físicos continuam os mesmos. Mudaram também as pessoas que se saboreiam com isso, antes eram colegas de escola, hoje, são as namoradas.

Tive uma que, estudante de publicidade, se achava. Pensava que era a rainha da criatividade e inteligência suprema. Passava boa parte do nosso tempo, fazendo comparações entre meu cérebro e o dela. Até isso! Pode? Além do físico que todos riam, essa foi inteligente a ponto de achar um defeito que ninguém ainda tinha tirado um sarrinho. Era exclusividade dela.

Depois tive outra, muito bonita, que insistia em dizer sempre que todos os namorados que já teve eram horrorosos, pois achava "um charme" namorar homem feio, isso dava um contraste para quem via... a bela e a fera. Eu? Claro, era a fera.

Uma outra, vivia lembrando-me que era cego, somente pelo fato de ter quatro graus de miopia.
Teve uma que trabalhava em uma empresa de cosméticos, enchia meu armário de cremes para rugas, loções anti-calvície e afins.

Em tempos de culto ao corpo, claro que já me pediram também para que fizesse musculação, jiu-jitsu e outras formas de modelar o corpo, no entanto, não consigo sentir atração por essas academias, verdadeiros centros de vaidade, pois certamente conseguiria novos apelidos por lá também.

Isso tudo só me faz lembrar uma pessoa: Mamãe!

Essa sim, nunca percebeu qualquer defeito em mim.

Essa ama o feio do jeito que ele é.

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