CATANDO CAQUINHOS
Luciana Pareja Norbiato

Uma pedra zuniu, estilhaços no ar: quebraram minha janela. Eu, cheia de horror, dei meia volta na sala para olhar mais de perto, mas e se outra pedra viesse, e se me atingisse o rosto?

Uma pedra e tanta história no chão, minha janela em pedaços, e sabe-se lá o tanto que isso me dizia. Caquinho por caquinho, em minhas mãos, fechei-as com força, gotas grossas caíram no carpete.

Se me rompem a janela, rompo-me também, no negrume da sala indevassável por suas cortinas largas, e a noite ia longe àquela altura. Quem, minha mente ecoava, quem poderia querer me atingir, atingir minha casa?

Enquanto isso, uma revolução tácita ia se encaminhando, se insuflando... Não acredito nisso, só entendo o marasmo que se apodera de tudo e gemidos são mais que ouro, coitados a dizer pelos cantos "uma esmola, um trocado". Cada qual com sua dor mais doída que a do outro.

Eu, que busquei os cortes, que busquei meu sangue, que temi as pedras que poderiam vir depois da precedente, eu não sentia nada. Nem a piedade que deveria ser inerente; eu não sentia medo, eu não sentia dor. Eu sentia a angústia de estar me transformando, e como chegar a tanto? O horror, o espanto de ver minha janela rompida dizia mais de mim do que daquilo que pudesse ser lá fora.

Quem foi que jogou a pedra, como saber, e para quê? Olhei os cacos cravados em minhas mãos e pensei "sou um anjo". Sem vidro a me separar dos cânticos sagrados. A alvorada veio selvagem e atroz, eu animal.

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