JANELAS DA ALMA
Marsal Sanches

Se os olhos eram as janelas da alma, seria melhor que as persianas fossem mantidas sempre fechadas. Era o que pensava Rubens quando, aos quinze anos, anunciou uma importante decisão:

- Vou andar sempre de óculos escuros!

No inicio, os pais acharam que era apenas mais uma esquisitice de adolescente. Como os diversos posteres nas paredes, todos alinhados de dois em dois. E as roupas, sempre organizadas em determinada ordem que só o filho entendia. E a mania de checar se a porta estava bem trancada, toda noite, pelo menos dez vezes. E a tinta preta que aplicara na janela de seu quarto, para que ninguém pudesse espioná-lo com uma luneta. A mãe ainda tentou argumentar:

- Mas, filho, você tem olhos tão bonitos...

Rubens olhou feio por trás dos óculos e não disse nada.

O dia seguinte amanheceu com uma garoa fina, típica do mês de junho. Às sete e meia, Rubens desceu as escadas. Com os óculos escuros.

- Tchau, mãe. Tchau, pai. Minha aula começa às oito.

Às dez e meia, estava de volta. O professor de geografia, aquele baixinho de voz esganiçada, o havia expulsado da sala. Porque ele se recusara a tirar os óculos. A mãe levou as mãos à cabeça:

- Espere só ate seu pai chegar em casa...

- Vou esperar, com os meus óculos!

Naquela noite, os três conferenciaram. A coisa parecia séria. Se continuasse assim, acabaria expulso do colégio. E perdendo o ano.

- Não tem problema, o que importa é que vou continuar usando meus óculos.

A mãe foi para o quarto, chorar. Rubens foi para a cama, de óculos escuros. O pai ficou sozinho na sala de jantar. Estava sem sono. Talvez ele pudesse conversar com o diretor. Explicar-lhe a situação. Mas não iria funcionar. Regras eram regras. Outra opção seria substituir os óculos do filho por novos, com aquelas lentes que mudavam de cor, de acordo com a luminosidade do ambiente. Dentro da sala de aula, ninguém iria notar que eram óculos escuros. Mas logo descartou a idéia. Ele poderia perceber.

***

Rubens acabou aprendendo a ler de acordo com o alfabeto Braile, e passou a estudar numa escola para cegos, onde ninguém enxergava, incluindo os professores. Ia de óculos escuros apenas de casa até a porta do colégio. Não usava os óculos durante as aulas.

- Se ninguém pode espiar pelas janelas, não tem problema!

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