O INAPELIDÁVEL
Ricardo Augusto Santos

- Chatérrimo!!!!

Era o primeiro adjetivo que inundava a mente de quem tinha de defini-lo em uma só palavra. Com toda razão, diga-se de passagem.

Pedro Afonso de Queiroz E Lima era chato mesmo.

Onze, de cada dez biografias suas (se alguém tivesse paciência para escrevê-las) começariam assim: "Chato de nascença e pentelho por ocupação, Pedro Afonso...". Na verdade, acho que nem ele se aguentava.

Em meio ao seu extenso rol de esquisitices e manias, destacava-se de maneira indiscutível, a aversão que tinha por apelidos (até mesmo os carinhosos). Não os aceitava de jeito algum! Nem mesmo se chamado apenas pelo primeiro nome o camarada atendia. Se alguém quisesse sua atenção, tinha que chamá-lo pelo nome inteiro (sem esquecer de dar uma puxadinha no E de Queiroz E Lima, como exigia).

Certa vez, no pré-escolar, alguns coleguinhas tentaram imputar-lhe o apelido de PACA; nada a ver com o dócil animal. O codinome vinha da simplificação de PAPA CATOTA, devido ao seu estranho hábito de chupar meleca de nariz (dos outros). Pedro arrebatou, um a um, seus algozes, com golpes de giz de cera e mordiscadas na parte posterior do joelho, escrevendo, logo em seguida, seu nome inteiro em suas testas, para nunca mais esquecerem.

Em outra, já na época do colegial, Clesimira, sua primeira namorada que, aliás, só aceitou namorá-lo porque tinha três umbigos e era muito impopular – Se ainda servissem pra outra coisa que não fosse juntar sujeira e pelinho de lã das blusas. Dizia a classe masculina – caiu na besteira de chamá-lo de "neném"... Tomou um baita cotovelaço que fez faltar em sua boca número de dentes equivalente ao de orifícios que abundavam na barriga.

Vai daí que Pedro (resto dos nomes E Lima), como todo chato que se preza, escolheu uma profissão à altura de sua chatice. Fez Direito e passou em um Concurso Público da Magistratura.

Desde logo foi designado para trabalhar em uma pequena cidade do interior de Minas chamada Itatibitati; localidade conhecida internacionalmente pela capacidade de colocar apelidos eternos nas pessoas.

Logo que chegou à cidade, foi recepcionado pelo Prefeito e pelo Juiz que, na iminência da aposentadoria, passaria-lhe o cargo.

Apresentações encerradas; Pedro chamou o Juiz local para o canto, perguntando-lhe se a fama da cidade era verdadeira.

- Vixi Rapaz! O povo daqui é fogo! Eu até que tive sorte. Sou chamado de Dez pra duas, devido ao meu modo de andar! O Juiz anterior era chamado de Cuitequero, você nem queira saber porque... te cuida rapaz, te cuida! 

Ora, não havia problema! Se Pedro Afonso de Albuquerque Queiroz E Lima tinha até aquele momento passado incólume, não seria esta cidade cheia de caipiras que apelidaria o inapelidável Juiz de Direito.

Por precaução, nosso herói, querendo evitar o pior, decidiu que, em seu primeiro ano, iria de casa para o fórum, do fórum para casa. Não daria dica alguma que pudesse ensejar a criação do tão temido apelido. E assim fez.

Se precisava comprar alguma coisa, do pão de cada dia até televisão, ligava para o estabelecimento e mandava entregar em casa. Quando chegavam com a compra, Pedro não atendia pela porta. Abria sua janela de estilo colonial e por ela fazia os pagamentos e recebia as mercadorias. Se alguém tinha alguma dúvida em algum processo, ou até mesmo sobre métodos contraceptivos (sabe como é... Doutor é estudado, némesm??), o benemérito togado fazia suas consultas pela janela; encerrados os questionamentos, tornava a fechá-la; às vezes na cara do cidadão. A discrição do Doutor fazia até com que o povo local inventasse casos inexistentes, só para poder ter com ele e tentar descobrir alguma coisa do figura.

Nada!

Um sujeito batia na porta para pedir um copo d'água; o juiz atendia pela janela e por lá entregava o pedido. Alguém precisava usar seu banheiro? Vinha até a janela, inventava uma desculpa qualquer e fechava a janela depressa.

A janela era seu contato com o mundo exterior. Abria, fazia o que tinha que fazer, fechava.

Passado o ano estipulado, Pedro deliciava-se com sua própria astúcia:

- Nenhum apelido! Nenhum apelido! - Falava e ria sozinho em seu lar.

Como dedicara seu ano intrépidamente ao trabalho e aos atendimentos fenestrais, calhou de ter seu esforço reconhecido pela população citadina. Afinal, no Fórum de Itatibitati não havia sequer um processo atrasado. A justiça operava de forma célere e escorreita.

Como prêmio pelo empenho, o prefeito marcou uma cerimônia, na qual seria entregue ao magistrado a placa de "Cidadão Itatibitatiense".

Na data marcada, Pedro Afonso de Albuquerque E Lima vestiu-se em sua melhor indumentária e seguiu para a prefeitura; local escolhido para o festejo.

Não é preciso dizer que a cidade parou para assistir o evento. Comemoração de muita pompa, com todas as autoridades presentes.

A certa altura, o momento tão esperado: O prefeito tomou o microfone e subiu ao palanque chamando o Juiz para receber as honras que lhe eram de direito.

Todo sorridente, recebeu das mãos do governante a bonita placa, onde pôde, para seu desespero, ler em letras garrafais:

"Concedo este título à nosso glorioso Doutor CUCO, pelos serviços prestados à esta comunidade."

E diante do coro de CUCO! CUCO! CUCO! concluiu:

- Itatibitati venceu!

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