TRAILER
Iosif Landau

A poeira o cegava, acionou o limpador do pára-brisa, lama se espalhando no vidro, ele resmungou, baixou o farol... me vem a mente o silêncio, seria a visão dela, o sexo aflorando de trás da calça strech, imagens repentinas, passo em falso? refaço meu destino, parto sem um adeus, deixo os equívocos, procuro a morte?... o homem ao volante riu sem convicção, acelerou o carro, a cadência do limpa brisa em sintonia com as batidas de seu coração, não sabia onde estava nem para onde ia, estava perdido, mas não se importava, o motor engasgou, tossiu, tanque vazio? acionou o pedal do acelerador, o motor pegou de novo, luz solitária no agreste, sentiu–se atraído, parou, um trailer no meio do nada, estacionou, saltou, abriu a porta da casa sobre rodas, entrou...

– Você veio!– falou a mulher para o espanto dele.

Não respondeu... ela me conhece?

– Quer bolo com sorvete? – continuou ela, sorriso infantil.

– Ele não quer nada – falou o homem sentado na poltrona gasta enquanto mastigava um palito coçando o peito por cima da camiseta surrada.

O recém chegado continuou calado, olhar apreensivo...onde diabo fui me meter,a sacana ainda vai me dar azar, por que não a perdoei? lembrou–se da discussão, a traição dela ainda o angustiava... não foi traição! gritara ela, foi apenas tesão... não as entendia, jamais ele...

– Ele tem jeito de quem gosta de comida caseira – a mulher desapareceu de trás da cortina.

– Porra, de mulher maluca! – esbravejou o homem na poltrona – tem certeza que nunca trepou com ela?

...deveria partir de novo, ser puro, chorar, vomitar minha consciência morta...

– Eu mesmo fiz, sou boa no fogão – gritou a mulher da pequena cozinha.

Os minutos seguintes de silêncio carregados de animosidade entre os dois homens... esse cara é jovem, não dá pra criar caso... ela voltou com uma bandeja e a colocou na mesa:

– Sei que está com fome! – falou ela sorrindo.

Fez menção de recusar:

– Dona...

– Senta! – comandou o homem.

Comeu em silêncio, a mulher sentou-se ao seu lado.

– Tá chegando de onde? – perguntou ela.

– Tá longe da BR – falou o homem da poltrona. – Tá fugindo?

...quero gritar, posso gritar , são meus companheiros de solidão, cercado de desespero por todos os lados, incomunicável, abdico de minhas forças, de minhas fraquezas, preciso do castigo, por que você que fez isso comigo... comeu sem vontade, ela apanhou o prato, colocou-o no chão.

– Cerveja! – gritou o homem da poltrona.

– Não tem, meu bem.

– Merda! – O tapa ressoou com violência no rosto da mulher.

...sou um fantasma, me ergo do solo, flutuo no espaço, é noite, a escuridão me envolve,devia ter dado um tapa nela, todas merecem um cara como esse... a porta bateu.

– Não liga, sei que me ama, vai beber na cidade – falou a mulher enquanto colocava o disco, música inundou o pequeno espaço. 

– Vem! – o segurou pela mão. 

Saíram... sou levado para onde não quero... desvencilhou–se dela... vou seguir meu caminho... acionou a chave, o motor não pegou, tentou de novo.

– Não adianta – falou ela – aqui é uma espécie de Triângulo das Bermudas pros carros, todos enguiçam,vem!

Ela o abraçou, seguiram juntos até uma escada com degraus de metal, subiram.

– É o único trailer com terraço. Ele fez pra mim.

A lua cheia iluminou o pedaço de chão, o som do disco cortou o silêncio da noite.

– A vista seria ótima se tivesse o que ver, mas as luzes da cidade aparecem, dança comigo.

As curvas voluptuosas da mulher rebolaram, a desejou, lembrou–se do filme Férias de Amor... não é a Kim Novak, nem eu sou o William Holden... a abraçou, dois pra lá dois pra cá... só não amo à noite as sombras, os assassinos, os habitantes dos esgotos, as baratas, os ratos, mas aspiro seu perfume com toda força da minha alma, da minha humana inocência, aspiro sua inviolável pureza... o disco silenciou...

Calada, ela o seguiu com o olhar, ele acionou a chave, o motor roncou... fugi demais, a liberdade é muito pesada, chega de auto eutanásia, ela me traiu, é a minha vez... saiu do carro, subiu os degraus de metal, a mulher sorria, aproximou–se, acariciou os longos cabelos, a abraçou, sentiu o corpo macio, a música parecia alta demais na noite,um tiro seco ecoou... merda, por que não fiquei em casa,... foram suas últimas palavras. 

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