ESTRADAS, MAPAS E MULHERES
Marsal Sanches

Li, certa vez, que as mulheres possuem uma espécie de sexto sentido em relação a caminhos. Algo similar aos pombos-correios. Em função disso, estariam sempre orientadas, e dificilmente se perderiam. Não sei o quão científica é esta afirmação, mas o fato é que me lembrei dela há algum tempo, enquanto conversava com um casal de amigos. Na ocasião, ouvi, da esposa, a seguinte confidência:

-O Ricardo? Só sabe guiar de casa para o trabalho. Se precisar se desviar um quarteirão que seja, sempre se perde.

O marido sorriu e baixou os olhos, resignado. Não teve ânimo nem para emendar um tímido “nao é bem assim...”. Ela continuou, impiedosa. Sempre que saiam juntos, era forçada a acumular as funções de co-piloto e engenheiro de bordo:

-Esquerda, esquerda! Agora, vá para a faixa da direita e reduza a velocidade. A próxima saída já é a nossa.

Certa vez, foram convidados para um churrasco no sítio de um colega, perto de Campinas. Ele já estivera lá alguns anos antes. Ela, não.

-Fique tranqüila! Sei bem o caminho.

Os dois foram parar mais de cem quilômetros adiante do ponto em que deveriam ter deixado a Rodovia dos Bandeirantes. Apenas quando começaram a aparecer placas indicando algumas cidades do sul de Minas Gerais, Ricardo percebeu que alguma coisa estava errada.

-Também, essa estrada é esquisita, quase não tem pontos de referência...

Acabaram discutindo e voltando para casa. De qualquer forma, fiquei pensando em o quanto é fácil, para um homem sozinho, se perder. Não apenas em ruas e estradas, mas também na vida. Um colega de faculdade, solteiro convicto, sempre chegava atrasado aos compromissos. Parecia ter um talento especial para escolher caminhos errados. E se recusava a consultar qualquer tipo de mapa:

-Se estou perdido, simplesmente escolho uma rua e vejo onde vai dar.

Mapas podem ser úteis. Com eles é possível programar, com antecedência, todos os caminhos, rodovias, cruzamentos e saídas que pretendemos trilhar. Mais ainda, sempre que nos vemos perdidos, podemos recorrer ao mapa estrategicamente guardado no porta-luvas. Um bom guia de ruas e estradas pode ser comprado em qualquer banca de jornais.

Por outro lado, o que dizer sobre a vida? Não há bons mapas indicando os melhores caminhos. Podemos tentar traçar, à mão, alguns mapas rudimentares. Mas eles nunca serão completamente precisos. E, mesmo que fossem, quem os seguiria à risca? A vida nem sempre permite retornos, e as placas de sinalização muitas vezes não são claras. Especialmente para os homens, menos intutitivos que as mulheres.

Há alguns meses, foi publicada, na revista Veja, uma reportagem sobre o destino de homens e mulheres apos o divórcio. Não me recordo de muitos detalhes, mas registrei bem a foto da capa: uma mulher elegante e sorridente, ao lado de um homem acima do peso, desalinhado e de expressão sombria. Fiquei imaginando se aquele homem havia pensado em traçar um mapa, ao se descobrir sozinho. Teria ele tentado conhecer melhor as estradas pelas quais teria que dirigir, e as saídas que deveria pegar? Tinha ele noção de que estava perdido?

Não sei as repostas para essas perguntas. Só posso dizer que, provavelmente, com uma mulher ao seu lado, ele teria trilhado as estradas de maneira mais harmônica. Teria alguém para ajudá-lo a ler as placas. A chance de se perder seria menor. Caso se perdesse, acharia o caminho de volta com mais facilidade. E, com certeza, sua expressão estaria menos sombria. Segundo um conhecido chavão, as mulheres são a luz da vida dos homens. Talvez possamos dizer que elas sao também as bússolas. Os mapas. A iluminação das estradas. Sem elas, estamos perdidos. Mais perdidos do que Ricardo ao tentar usar um caminho alternativo para ir de casa para o trabalho.

(Para Elaine, que tem sido minha bússola há quase cinco anos.)

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.