PERDIDO NA ESTRADA
Regina de Souza

Ele se perdia, sempre. 

Chegava aos lugares novos, dava uma passada d´olhos no trivial e pronto! Sumia, em busca do novo que o lugar continha. Cidade, fazenda, sítio ou litoral, fosse onde fosse, ele conseguia se "perder". Depois voltava com aquela cara de: "Meu Deus, como podem ficar tão preocupados comigo, por nada?" ...risos...

Agora, eu rio; mas a verdade é que ele gerou mesmo grandes preocupações em todos nós. 

Aos 17 anos, fui conhecer o sítio de um colégio de freiras onde fiz o curso primário. Ele fez questão de me levar, para conhecer o lugar onde uma de suas cinco filhas ficaria alojada por 12 dias. Depois de ser apresentado às freiras e aos hóspedes que lá se encontravam, lá foi ele se perder, de novo e como sempre!

Sei que demorou horas para voltar. Chegou contando que o lugar era lindo. Viu pastos verdíssimos, vacas - muito bem cuidadas e aparentemente felizes -, currais e mangueiros até limpinhos! Adorou as plantações de milho e a água fresquinha que bebeu numa fonte, em algum lugar que não tinha nome.

As freiras e hóspedes ouviam atentos à narração dele, muito bem estruturada, quando de súbito, perguntou se alguém poderia lhe ceder uma caixa de primeiros socorros, pois havia caído distraidamente num "mata-burros"... Imagine! Um português (ele era da santa terrinha - com todo respeito que tenho aos patrícios), caindo num "mata-burros", é algo realmente muito engraçado. 

Noutra ocasião, fomos visitar um tio que morava no subúrbio de São Paulo. No trem, seis mulheres acompanhavam aquele homem que olhava tudo, completamente atento aos detalhes que cada pessoa lhe despertava. Explico as seis mulheres: eram a esposa e as cinco filhas do casal. 

Lá pelas tantas, numa das paradas rápidas que os trens fazem para troca de passageiros, ele saiu correndo, explicando aflito que voltaria rapidamente, depois de comprar algo para ler, numa banca de jornal que podíamos ver na plataforma de embarque, bem à nossa frente.

Seis mulheres pálidas mas confiantes na destreza daquele homem, esperavam por um desfecho feliz quando a porta se fecha e ele fica do lado de fora. Pálido também, sai correndo, na tentativa inútil de conseguir alcançar sua família que se afastava.

Surgiu uma torcida - praticamente organizada - dentro do vagão; creio que pela primeira vez entendi o verdadeiro sentido da cumplicidade. Alguns diziam que o alarme do trem deveria ser acionado. Outros, tentavam acalmar as filhas recém órfãs de pai. As mulheres se solidarizavam com aquela palidíssima esposa e as crianças tiveram que pensar em algo nunca dantes imaginado, como responder sobre o que fariam da vida, agora que não tinham mais pai. Enquanto isso, o trem se aproximava da próxima parada.

Silêncio total no vagão... não havia mosca ali. 

Pegos de surpresa, os cúmplices da família aflita ansiavam pelo ressurgimento do patriarca já famoso, mas... nada! Ele não apareceu.

Novo apito, nova partida e lágrimas começavam a brotar dos olhos das 6 mulheres e de algumas companheiras de torcida, enquanto quase todos os olhos masculinos fixavam o olhar nas duas portas internas do vagão, tentando inutilmente reconhecer em algum rosto que surgia o do desaparecido, esquecendo-se que nem sequer lhe conheciam os traços.

Na terceira parada ele é visto, correndo muito, quase passando direto pelo vagão que guardava seus tesouros, mas ao ouvir um "....é aqui!!!!!....aqui!!!!!" gritado por várias vozes, pára de correr e entra no vagão, cansado, suado até, debaixo de aplausos incontidos de todos que participaram do drama que ele acabara de criar, por ser um "perdido na estrada"...

Ai, que saudades de você, meu pai!

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