BOEMIA
Rita Alves

Quinta-feira, duas da manhã. A banda encerrava sua apresentação dos grandes mestres do blues e jazz. Músicas maravilhosas embalando seus pesadelos. Estava sozinho com uma garrafa de uísque quase no fim e cinzeiro cheio. Muita fumaça, luzes vermelhas e azuis que, às vezes, refletiam no rosto de alguém deixando uma expressão quase diábolica.

Luís Antônio amava a boemia, mas sentia que precisava de muito mais do que isso para esquecer dos problemas. Quando estava com sorte, acabava a noite em alguma cama desconhecida e ao acordar arrependia-se imediatamente da superficialidade. Bastava um beijo mais insinuante e já sabia como a noite iria terminar. Ele só queria surpreender-se, pois tudo era sempre previsível e as conversas tão iguais que começou a achar que surpresas eram impossíveis. As expectativas estavam sendo reduzidas a cinzas como aquelas que restavam dos seus cigarros. 

Mas esta noite foi diferente. Não se aproximou de ninguém e ficou num canto escuro do bar apenas olhando. Muitas mulheres bonitas e idênticas. Cabelos forçados a se tornarem lisos, seios fartos que confundiam entre o real e o material de composto orgânico, roupas da moda. Voltou seus olhos para os homens, eles também eram iguais. Camisas para fora da calça, gel no cabelo espetado num topete esquisito e o inseparável copo nas mãos.

Ninguém ousava ser diferente?

Não, nem ele. Estava com uma camisa xadrez, calça cáqui e um copo cheio de gelo e uísque. A bebida já estava tornando a sua visão turva. A banda tinha ido embora e agora o som ambiente era regado a soul. Pensou em levantar, dançar um pouco, mas as pernas não obedeceram. Pediu água gelada ao garçom numa inútil tentativa de melhorar. Acendeu um cigarro e resolveu continuar ali.

Tinha quarenta e três anos e duvidava que pudesse viver mais do que isso. Muitas vezes pensou em dar fim a própria vida, mas tinha medo de que algo pior pudesse vir depois, então resolveu continuar vivo, mas comportava-se como um morto. Sem grandes paixões, desejos e sem amor. A solidão fazia companhia em todas as noites, mesmo que estivesse dormindo ao lado de alguma mulher. Para ele, as mulheres não passavam de um divertimento efêmero. Para se libertar dessa vida morna, ele precisava de emoções fortes. Saía todas as noites na sua busca infindável.

Ninguém vivia de emoções arrebatadoras o tempo todo. Como poderia ser feliz, então? 

Saiu do bar cambaleando e foi seguindo bem devagar, sentindo a brisa no rosto, esforçando-se para melhorar da bebedeira. Procurava o carro que havia estacionado na rua, pois não sabia mais onde estava. Tinha apenas duas certezas: estava perdido e completamente bêbado. 

Andou muito e não conseguiu chegar onde queria. Agora estava num lugar ermo e escuro. Começou a ficar com medo quando percebeu a presença de dois homens caminhando em sua direção. A princípio achou que estava tão amedrontado por causa da bebida que lhe tirava a percepção real das coisas. Mas estava terrivelmente enganado. Os dois o abordaram de forma impiedosa, golpearam a sua cabeça e dispararam três tiros em seu peito. Levaram sua carteira e sua vida inútil, cheia de incertezas e sentimentos que ele não sabia compreender.

Ele havia recebido seu presente da boemia que tanto amava e o desprezo da vida por tê-la desperdiçado.

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