ÁGUA NO CHOPE
Argento

 

Madrugada aparentemente tranqüila. Dona Marlene sonhava que acabara de receber o prêmio da loteria, carro zero quilômetro, muita roupa nova, nada de trabalho, tempo pra malhar e pra cuidar do corpinho. Quanta felicidade seria a sua vida a partir daquela dádiva. Tudo corria as mil maravilhas até que surgiu um grito inesperado invadindo a sua praia. Era um choro de bebê, chato e ininterrupto, mistura de incômodo e de pirraça. 

Não, não fazia parte do maravilhoso sonho aquele barulho chato e teimoso. Era o Juquinha, seu filho de três anos que começava a chorar. Acordou meio zonza e olhou no relógio: Três horas da matina! Porquê o molequinho resolveu perturbar justamente naquela hora? E a saudade do quinhão que acabara de ganhar no mundo de morfeu. Água no chope de Dona Marlene. 

Examinou o moleque e verificou que o coitado estava encharcado de xixi. Graças a Deus o choro não era de dor ou doença. Suspirando aliviada, Dona Marlene trocou as roupas do pobrezinho e recolocou-o na cama, agora já prontamente forrada por uma colcha seca. Começou então a tentar dormir, mas o ronco de seu esposo que não se intimidou nem um pouco com os gritos do filhinho (na verdade ele nem havia se mexido) não permitiram-lhe tentar um recontato sonífero. O Camarada dormia profundamente um sono pesado, forjado pelo efeito da bebida. Pensou em acordá-lo, porém quando lembrou do “bafo de cana” mudou rapidamente de idéia. Virou de lado e tentou controlar seu instinto. 

Como fora impossível pegar no sono, foi até a sala e ligou a TV. Mudou de canal buscando algo interessante naquela malfadada hora. Ainda bem que possuíam um canal de televisão a cabo, mesmo assim não achou nada que a agradasse. Procurou algum livro na estante. Encontrou algumas boas obras, mas todas já lidas anteriormente. De repente achou um livro velho de seu sogro: “Crônicas escolhidas, histórias da vida”. Devorando aquele exemplar já quase corroído pelo tempo encontrou uma historinha muito interessante e que tinha como personagem principal uma mulher que se encontrava em Paris curtindo a sua primeira exposição de quadros, quase todos comprados por valores inestimáveis, verdadeiras obras de arte. Foi se interessando pelo caso e quando chegou ao fim... 

- Acorda Onofre! Putz, eu não acredito! 

- Quê foi mulher? Pra quê tanta confusão. 

- Eu vou matar o seu Pai! 

- Porquê meu bem? Quê foi que o velho fez de errado? 

- Esse maldito escreve muito bem! 

- Não entendo? Isso é motivo pra odiá-lo? 

- Vai adivinhar assim lá na China! Água no chope!!! 

- Continuo sem entender? Água no chope? 

- Olha só como ele termina essa crônica sobre uma artista plástica em êxtase devido à glória por sua exposição em Paris: 

"Eis que a protagonista acorda de repente as 3:00H da manhã com um ininterrupto choro de bebê."  

 

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