CETICISMO LATENTE
José Luís Nóbrega

Sentado em um banco, com cabeça arqueada, quase entre as pernas, e olhos fechados, um turbilhão de pensamentos varria-lhe a mente.

Um vendaval varria folhas e o som de galhos sendo arrancados pela força do vento adentrava seus ouvidos, mas mesmo assim, continuava presente naquela cena, sem se incomodar com a areia cortante no corpo, tamanha a força da tempestade.

imagens vividas na infância; discussões familiares; palavras ditas com rancor; palavras ouvidas com amor; desprezo pelo presente; insegurança do futuro; uma sensação inexplicável de angústia e medo. Entre uma visão e outra, um vazio cobria-lhe a alma de incertezas e o desânimo parecia imperar sobre um futuro, ainda incerto.

Um segundo, dez minutos, uma hora, um dia apenas? Parecia que a tempestade, o turbilhão de pensamentos e o desespero seriam para toda a eternidade. A sensação era de que seria tragado por aquela descomunal procela, e que seus pensamentos insanos consumiriam sua vida. E mesmo assim, não tinha forças para levantar a cabeça, abrir os olhos, e fugir do fim anunciado.

Não acreditava em nada. O ceticismo era cultuado como uma espécie rara. Para aquele homem perdido na tempestade, acima dele, acreditava na existência pura e simples do céu. Abaixo, simplesmente a terra.

Mas, em meio àquela voragem, sentiu a presença de alguém que se postava em pé ao seu lado. Não conseguia abrir os olhos, devido ao vento, e também ao medo que lhe rondava. Sentiu então que algo parecia estar há poucos centímetro de sua cabeça, que ainda encontrava-se pendida sobre os braços. A sensação sentida era a de uma mão, que sem tocá-lo, afagava-lhe a alma.

A presença insólita de alguém que lhe afagava à distância, fez com que a tempestade fosse se dissipando. O som das folhas secas ecoava ao longe. Escutou o último calho se partindo, sem que o estrondo da queda chegasse aos seus ouvidos. E assim, o medo em sua mente foi substituído pelo sentimento de vitória, e pela satisfação de ter sobrevivido a todas as tormentas da vida.

Ergueu a cabeça, respirou fundo, e ao abrir os olhos notou que estava sentado na cama, com o pijama encharcado de suor. Passou a mão pelos cabelos (os últimos que restavam), e foi até a cozinha, beber um copo d’água.

Copo na mão sentou para pensar um pouco sobre a vida. Aquele sonho parecia ter afastado por completo a descrença, sentida desde quando viera ao mundo. Por instantes, acreditou que as vicissitudes da vida poderiam ser amenizadas através da crença. Um pouco de credulidade não faria mal a ninguém, e que os sofrimentos terrenos não poderiam anular o sentido maior de estar vivo.

Ao retornar para o quarto, uma bela topada com a porta da cozinha mudaria por completo seus pensamentos, para não dizer, o faria acordar de fato. Sentado no corredor, blasfemando aos prantos e segurando com firmeza o dedo mínimo do pé esquerdo, quase arrancado pela trombada com a porta, sentiu-se um verdadeiro estúpido por não ter acesso as luzes, e que aquela dor pungente às 3:00h não era merecida. Já havia sofrido demais, na mesma noite, com um estúpido pesadelo...

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