INSÔNIA
Marco André Alves de Souza

Jogou os braços à frente do corpo, num movimento quase desesperado, a fim de chamar a atenção do motorista de um táxi que passava por ali. Não consegui abrir a porta, foi com a ajuda do motorista que confortavelmente se ajeitou no banco de trás do luxuoso automóvel.

- Para onde vamos? - perguntou o taxista.

- Para o hotel mais próximo.

- Bem rápido! Por favor. - fez questão de salientar ao motorista.

- É pra já.

Logo que o carro entrou em movimento, percebeu que começava a chover. De início, uma leve garoa foi tomando força, e em pouco tempo se fez uma chuva mais grossa e pesada.

Sobre os vidros do carro os pingos de chuva atrapalhavam a visão perfeita do lado de fora do veículo. Tendo como fundo a escuridão da noite, os olhos secos e esgotados de Alberto fitavam os feixes de luz que vinham dos postes e que refletiam sobre o vidro molhado do carro, causando uma desagradável sensação.

O som e o movimento repetitivo do limpa-brisa - hipnotizante, para dizer a verdade - lhe convidava ao sono, tão almejado nos últimos três dias. O carro como que estivesse a niná-lo, nos movimentos das curvas sinuosas, de um lado para o outro, tornou-se o fator decisivo ao fechamento dos olhos.

As pálpebras fecharam-se. Agora, somente a escuridão, nem a luz, nem o ronco do motor, nem a sacudida de um quebra-molas, nenhum estímulo externo seria capaz de lhe arrancar do sono. Este era o seu desejo, o seu corpo precisava desse momento. Queria descanso. Sua consciência, entretanto, não lhe daria trégua, jamais!

Seu corpo relaxado interrompeu o curso normal da consciência e permitiu a invasão de um mundo que queria esquecer. Não seria apropriado dizer que estava sonhando. Seu inconsciente trabalhava em outras vibrações. No seu pensamento, lá longe, podia-se ver uma linda mulher lhe chamando. Com uma das mãos à frente do corpo exuberante, convidava-o a ter com ela um sensual abraço, com a outra mão, escondida por trás das costas, segurava maliciosamente uma enorme faca de cozinha.

Seduzido pelo encanto desta mulher - que conhecia de outros tempos - deixou-se abraçar. Prestes a se envolver com mais intimidade, sentiu a lâmina cortante penetrando-lhe por trás do seu corpo desprotegido, sem a menor resistência.

O rosto daquela mulher que até então era lindo, estava desfigurado, deformado, assustador. - uma aberração para ser mais claro. Parte do seu semblante estava desprotegido, sem qualquer revestimento, na outra parte, restavam vestígios de uma pele podre e fétida como carniça. Sobre o seu corpo veias e artérias apontavam e deixavam vazar sangue, vermelho escuro, como vinho que outrora beberam juntos.

* * *

Um forte grito se fez ouvir. Assustado com o berro que escutou, o motorista deu uma forte freada. Alberto foi violentamente jogado por cima do ombro do motorista

- Senhor! Acorde, senhor! Acorde! - sacudiu Alberto com suas mãos trêmulas de susto.

- O que foi?!

- O senhor, me desculpe estar te acordando assim, mas é que...

- Já sei, já sei, estava tendo um pesadelo. - interrompeu Alberto.

- Onde estamos?

- O hotel é aquele ali. Eu ia parar em frente, mas me assustei com o grito e aí...

- Está ótimo! Quanto lhe devo?

- Vinte e três reais.

- Toma trinta. Fica com o troco.

- Obrigado senhor.

Desceu do carro. Estava exausto, cansado pelos sucessivos pesadelos que o impediam de dormir. Olhou para cima e viu logo na entrada do hotel o letreiro luminoso, com letras incandescentes, chamando a atenção para o nome do estabelecimento: Hotel Bons Sonhos. Achou sugestivo. Ter bons sonhos era tudo que mais queria.

Entrou carregando consigo apenas uma pasta, uma pequena pasta de couro, provavelmente do seu trabalho. Ao chegar no quarto, observou que não havia luxo. Apenas um ventilador de teto, uma tv, uma pequena geladeira, um criado mudo e sobre ele um abajur que com sua luz amarela, proporcionava uma claridade suave sobre a cabeceira da cama. Entrou no banheiro, sentou-se no vaso, e colocou a pasta sobre a pia, despiu-se e tomou um banho quente.

Após o banho, deitou-se na cama e viu que na parede de frente um relógio indicava 23:57. Ficou por um bom tempo ali deitado, observando o percurso do ponteiro dos segundos. Na abstração deste tempo, pedia ao seu próprio corpo, a sua própria mente que lhe permitisse dormir.

* * *

A cama estava amarrotada de tanto se virar de um lado para o outro. O corpo largado, não encontrava posição para o sono tranqüilo. O que lhe impedia de dormir? - Perguntava a si próprio - como se não soubesse a resposta.

Tinha medo de dormir e ter que rever seu passado, escondido no labirinto empoeirado da inconsciência que sempre aparece para lhe roubar a tranqüilidade e trazer peso e culpa a sua vida.

O sono estava lhe espreitando. Esperando o momento exato para apanhá-lo de surpresa. Alberto tentava a qualquer custo ficar vigilante. Queria dormir e não dormir. Seu corpo necessitava de cama. Sua mente, porém, lhe alertava sobre os riscos do sono. Estava vivendo uma situação angustiante, estava no limite de suas forças. Quanto tempo teria que suportar isso? Não agüentou e dormiu...

Acordou assustado...

- ?

- O que aconteceu, meu Deus? - perguntou a si mesmo, confuso com o baque que levou.

Estava suado, tremendo, assustado e apavorado. Observou o relógio que mostrava 2:15 da manhã. Pensou qual seria a única forma de dormir em paz. Sua vida já não tinha mais sentido. Viveria fugindo de um lugar para outro pelo resto da vida? Mas, o pior de tudo seria tirar o peso de sua consciência.

Pensou..., no relógio marcavam 2:30 da manhã.

Pensou mais um pouco... olhou para o relógio e marcavam 2:40 da manhã.

Levantou-se, pegou a pasta no banheiro e a colocou sobre a cama. Vestiu a sua roupa que estava dependurada no Box do banheiro. Arrumou-se como quem pretende sair. Abriu os dois trincos, pegou um embrulho de pano que havia no interior da pasta. Abriu o embrulho - era uma arma, de cor escura, fosca - apontou para a sua cabeça, olhou para o relógio, eram 2:57 da manhã.

Pensou que seria melhor morrer descansando. E se fosse morrer que não fosse incomodado brevemente. Então, ligou a televisão, aguardou um pouco - receio? Talvez - pegou o revólver, olhou para o relógio eram 3:00 horas da manhã. Colocou o travesseiro sobre a cabeça...

O estalo que se ouviu em seguida, foi abafado pelas penas do travesseiro e o barulho da chuva que caía lá fora, por isso, não se fez percebido por ninguém.

* * *

Toc, toc, toc... A batida na porta anunciava a presença de alguém. Era a camareira, do outro lado, pedindo licença para arrumar o quarto.

- Posso entrar? ...

- ?

O barulho da televisão fez com que deixasse para depois a limpeza daquele quarto. O telejornal da tarde anunciava que as investigações da polícia civil continuariam até que fosse encontrado o médico que assassinou a esposa e o amante. Um crime bárbaro que assustou a pequena cidade de Montes Claros, interior de Minas Gerais.

O repórter perguntou:

- Delegado! A polícia já descobriu o paradeiro do assassino?

- Ainda não. Mas, não daremos folga. Estamos com uma equipe atrás desse sujeito. Ele não vai conseguir sair da cidade.

- Há possibilidade dele já estar fora do país, visto que limpou sua conta no banco?

- Nós vamos pegar ele, onde ele estiver. Não vamos dar descanso. Não vai ter tempo nem de dormir. Vai ter que sair de um lugar pro outro, até a gente pegá-lo.

- Obrigado delegado pela sua entrevista. Voltamos à central de jornalismo...

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