SONHO
Claudio Alecrim Costa

Balancei o copo de uísque fazendo as pedras baterem umas nas outras. Por todo apartamento um som vítreo se espalhava, misturado a luzes dos faróis que entravam pela janela e riscavam as paredes. 

Deitado, olhava o teto que girava como um catavento, onde via minha infância sob uma bruma. Gritos distantes de criança e barulhos que não identificava até adormecer.

Minhas pálpebras pesavam e mal podia abrir os olhos. Havia deixado o copo cair e no carpete se formara um desenho feito da bebida. Consultei o relógio, mas os ponteiros estavam parados. Sacudi e depois joguei para longe. Não existia tempo e as luzes continuavam a entrar pela janela e o teto, em pequenos intervalos, rodava, rodava, rodava...

Pulei do sofá quando a campainha tocou estridente. Quem seria? Já era madrugada... Olhei pelo olho mágico e uma mulher incrível esperava. Mesmo sob a penumbra do corredor, via-se um belo exemplar feminino.

Com dificuldade, abri algumas fechaduras e trincos. Vivia guardado como um tesouro, vítima do medo e paranóias.

Minha surpresa foi ainda maior quando iluminada pela luz de meu apartamento a mulher ficou mais exuberante. 

- Desculpe incomodar o senhor...

- Não tem problema...

- É que esqueci as chaves ou perdi...

- Posso tentar abrir sua porta...Vou pegar algumas ferramentas...

- Se não for incômodo eu durmo em qualquer lugar... Só por essa noite...

Quando disse só por essa noite senti uma tonteira e o eco continuou dentro de minha cabeça: só por essa noite... só por essa noite... Era um sonho! Só podia ser... Tinha que aproveitá-lo antes que acabasse.

Vestia um vestido transparente que evitava olhar, ainda abalado que estava. Tentava arrumar a bagunça enquanto, sobre sapatos de finos saltos, ela aguardava parada na sala.

- Pode ficar no meu quarto que eu me arranjo aqui na sala mesmo...

- Não é justo o senhor ficar aqui...

Ela tinha razão. Eu deveria ir para o quarto com ela e ter uma noite de sexo selvagem. O teto ainda girava sobre minha cabeça. O efeito de uma noite encharcada de uísque barato...

- Esse teto não pára...

- Como disse?

- Nada!

Escutei o barulho do chuveiro e enchi outro copo com uísque... Ela veio enrolada numa toalha. Estava descalça e balançava os cabelos negros molhados. Era linda. Que sonho! Podia sentir seu perfume e a bebida que enchia minha boca em goles que visavam afogar qualquer lucidez que me acudisse. Não queria acordar. Estava definitivamente sonhando. Imaginei que se me jogasse pela janela despertaria à beira de um enfarto. Era um sonho daqueles que se confundem com a realidade. Enchi o copo novamente.

- Desculpe, você aceita uma dose de uísque?

- Aceito...

Que sonho fantástico. Fazia tempo que sonhava coisas sem nexo, imagens abstratas, situações que não conseguia lembrar depois. Aquele sonho tinha detalhes. Minha luminária e o mobiliário da casa. A mulher perfeita em minha criação onírica. Tinha que tocá-la antes que algo me despertasse. Na confusão o copo caiu. Fechei os olhos e esperei pelo despertar... Mas ela continuava na minha frente pronta para ser devorada. Estava num sonho e podia dirigir a cena como num filme. 

- Podíamos dormir no quarto, se não se importa...

- Claro. A casa é sua...

Incrível! Eu determinava cada passo do sonho e a coisa parecia natural. O que eu estava esperando? Não podia me jogar de cabeça. Tinha que respeitar as regras do sonho. Mas que regras? Freud certamente nunca havia falado de regras. Juntei minhas coisas e fui em direção ao quarto. 

- Vou tomar um banho...

- Eu espero aqui... O senhor é muito gentil e tem um belo apartamento...

- Me chame de você!

Quando estava para entrar no chuveiro, parei. Vou despertar! Dormia um sono pesado e a água me acordaria ofegante e as lembranças de um sonho inacabado me sufocariam pelo resto de minha vida. Voltei ao quarto apenas de toalha...

- Me lembrei que já tomei banho!

- Ótimo. Podemos deitar... Estou cansada...

- Cansada?

Isso não poderia acontecer em sonhos eróticos. Seria um sonho erótico? Como poderia saber? Uma mulher maravilhosa comigo num quarto não havia de ser um pesadelo. O teto do quarto girava cada vez mais forte. A bebida começa a fazer efeito e minha cabeça lateja e anunciava uma explosão. Os sons e as luzes me confundiam e a mulher diluía-se como a fantasia jamais experimentada. Desabei no escuro.

A luz do sol espetou meus olhos como alfinete. Acordei assustado e ensopado de suor. Meu sonho? Onde estaria a incrível mulher? O teto girava lentamente. Meu catavento. Sentia dores horríveis na cabeça. Devia parar de beber... Devia parar de beber em meus sonhos. 

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