QUEM CATA-VENTO, COLHE FELICIDADE
José Luís Nóbrega

Da porta-janela do escritório de sua casa avistava o neto correndo de um lado para outro com um cata-vento. Sem olhar para o chão, sem medo de se estatelar, o menino corria preocupado tão somente com seu brinquedo, parecendo que o mundo não existia ao seu redor.

O avô deixou o livro que estava lendo sobre a escrivaninha, tirou os óculos de leitura prendendo-os nos lábios. Jogou o corpo para trás, fazendo a cadeira reclinar, e de olhos fixos no menino que corria no gramado em volta da piscina, pôs-se a pensar.

Havia recebido uma educação muito rígida em um colégio de jesuítas, onde as brincadeiras infantis não eram prioridade. Aprendera cedo o significado da maiêutica, do sofisma, da dialética, sem nunca ter aprendido como fazer uma pipa de papel, bolhas de sabão, e até mesmo um simples cata-vento, o qual rodopiava na mão do netinho.

Cansado de correr, o menino deixou o brinquedo sobre uma mesa, sem perceber que o avô há muito desejava aquele simples objeto.

O jovem senhor não pensou duas vezes. Deixou a hipertensão, e o esporão que tanto castigava seu caminhar de lado. Desprendeu-se também da racionalidade adulta, mal maior dentre todos. De cata-vento em punho, iniciou sua sutil brincadeira. Corria pelo gramado, olhando para o brinquedo, sem medo de tropeços. Sorriso largo nos lábios, por instantes voltou a uma meninice que nunca vivera. Depois de velho, sentia pela primeira vez a liberdade de correr sem medo, e sem qualquer motivo aparente. Corria pelo simples prazer de ver a rotação da hélice multicolor. Corria pelo simples prazer de sentir-se livre...

Não se preocupou nem mesmo em saber se alguém o vigiava. Sentiu na alma a mesma sensação de toda e qualquer criança quando brinca.: a sensação de que o mundo... não existe.

Cansado, descansou o cata-vento sobre a escrivaninha. Nunca havia se divertido tanto, sorrido tanto, sentido tão bem. Não se lembrava mais da hipertensão, nem a dor do maldito esporão o incomodava. Jamais havia brincado com um de seus filhos. Todos cresceram sem a presença do pai. E isso, causava-lhe um certo remorso.

Pensou em voltar àquela maçante leitura, mas já havia perdido uma vida inteira lendo e relendo lições de vida, sem nunca ter vivido de fato. Os filhos haviam sido privados da sua presença graças aos grandes escritores, que com certeza, não perdiam tempo relendo aquilo que já haviam escrito.

Saiu correndo à procura do neto. Não queria cometer os mesmos erros cometidos com os filhos. Já havia semeado vento demais, e colhido infindáveis tempestades. Queria correr ao lado do menino, e mostrar-lhe como é prazeroso catar-o-vento, sem ter medo de colher... felicidade.

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