CARTA AO MEU FILHO
Rodrigo Stulzer Lopes

 

Curitiba, 15 de maio de 2003

Meu filho,

Você ainda é um bebê, tem somente quatro meses e está começando a conhecer o mundo. Estou ansioso para ensinar-lhe todas as coisas legais que temos para fazer neste lugar tão maravilhoso que vivemos. Penso em como será sua primeira bicicleta, seus primeiros tombos e os inúmeros arranhões, que não podem faltar. Será que você vai gostar das mesmas coisas que me fascinaram quando criança?

Lembro quando comecei a andar na minha primeira bicicleta. Comecei retirando as rodinhas, mas deixando ainda os ferrinhos que as sustentavam. Eu andava de um lado para outro na calçada de concreto ao lado da casa de minha tia. O chão ficava todo riscado das marcas do ferro dos apoios e o ar cheio do barulho estridente que eles faziam quando tocavam o concreto lisinho.

Não lembro de meu primeiro catavento, nem sei se tive um realmente. Lembro de brincar com alguns cataventos de papel e também de ver modelos em revistas infantis para colorir, recortar e montar. Quando você estiver um pouco maiorzinho papai vai fazer para você um lindo catavento, pintado de verde e amarelo.

Eu lembro de um aviãozinho de papel que ganhei no jardim da infância, no dia das crianças. Sua avó pintou-o com faixas coloridas bem bonitas. Eu gostava muito de aviõezinhos de papel e quase todos os que eu sei fazer foi ela que me ensinou. Não perca a oportunidade e peça para ela te ensinar também.

Será que você irá gostar tanto de chocolates quanto eu? Engraçado, agora que posso comprar todos os chocolates que gosto, raramente como algum. Quando eu era pequeno, mas ainda muito maior do que você é agora, adorava ir com sua avó no mercado. Eu tinha uma quantidade de chocolates que poderia comprar no mês. Ela dizia o quanto eu podia gastar mas quem escolhia era eu. Se eu comesse todos os chocolates em um dia o problema era meu, pois doces de novo, só no outro mês.

Quando chegávamos em casa a primeira coisa a fazer era guardar todos aqueles doces, mas antes eu comia pelo menos uns três. Comia até me encher, mas não abusava. Eu guardava para poder ter os doces até a próxima vez de ir para o mercado. Isso me ensinou a economizar; guardar agora para não faltar no futuro.

Será que você gostará de ler tanto quanto eu? Não sei de onde realmente veio o meu amor pela leitura. Eu disse amor? Acho que me enganei; a leitura é quase uma obsessão. Leio de tudo, de rótulo de bolacha até bula de remédio. Na verdade, prefiro livros bem escritos e com uma ótima história para contar. O rótulo e a bula deixo para as síndromes de abstinência, quando só eles estão disponíveis na minha frente.

Com certeza sua avó também me ajudou com o gosto pela leitura. Não lembro qual foi o primeiro livro "de verdade" que li, mas Don Quixote pode ter sido o escolhido. Sua avó me dava um dinheirinho para cada livro que eu lesse e depois contasse a história. Lembro que comprei muitos doces com o dinheiro ganho com a leitura dos livros. E chegou um tempo em que já não contava as histórias para ela, mas os livros continuaram a ser lidos. Hmm, acho que vou contar uma das histórias dos vários livros que leio só para ter o gostinho de ganhar a mesada e sair para comprar um doce.

Espero que você não me dê tantos sustos enquanto estiver crescendo. Semana passada, quando você estava pálido, feito giz, de tanto vomitar, senti o que é a aflição de um pai e de uma mãe. Esse foi o nosso primeiro susto com você. Acho que o pior é o sentimento de impotência; ficar olhando para um bebezinho tão pequeno e não saber o que está acontecendo. É claro que fomos parar no hospital, às onze horas da noite. Afinal, somos ou não somos pais de primeira viagem?

Falando em inexperiência, gostaria de fazer uma reclamação. Você veio sem manual de instruções e temos que ir aprendendo na tentativa e erro. Acho que quem mais sofre com isto é você. Pelo menos agora estamos empatados; seus papais sofrem quando você fica doentinho e você sofre porque estamos aprendendo a lhe cuidar. Já somos doutores em choro. O que era um mistério há quatro meses atrás agora tiramos de letra. Choro de fome é o mais comum. É um choro sentido, que dá pena; mas a gente acostuma e não fica com o coração tão mole. O choro de dor é ruim. Esse dá vontade de chorar junto.

Além do choro você faz uma tosse de manha. Essa é divertida pois não engana ninguém. Quando você faz esta manhazinha, todos sorriem achando muito engraçado. Não é um riso de deboche, mas sim de alegria, pois vemos que você já começa a se defender.

Hoje a noite vai acontecer o primeiro eclipse lunar de sua vida. Pena que você não poderá vê-lo. Nessa hora você já estará dormindo bem gostoso dentro de seu bercinho. Mesmo que você estivesse acordado não iria adiantar muito, pois ainda é muito pequenino para entender estas coisas. Quem sabe no próximo ano eu possa lhe mostrar outro eclipse e começar a te ensinar que vivemos em um planetinha bem pequenino, que gira em torno de uma estrela chamada Sol. Quando ficar um pouco maiorzinho, vou te mostrar que existem muitas outras estrelas como o nosso Sol; muitas mais do que podemos contar e muitas mais do que podemos imaginar.

Lembro do primeiro eclipse do Sol que vi. Sua avó me explicou que não dava para olhar diretamente para o Sol, porque senão poderíamos machucar os olhos. Ela me ensinou a acender uma vela embaixo de um pedaço de vidro e deixá-lo pretinho. É só aproximar a vela que uma fumaça negra começa a aparecer e gruda toda no vidro. Só não dá para passar o dedo senão o pretinho sai. Naquele dia ficamos vendo o eclipse até quase o pôr-do-sol. Quando não dava mais para vê-lo lá de casa, pegamos o carro e andamos até o final da cidade. Lembro até hoje que fomos os últimos a vê-lo.

Bem, meu filho, por hoje chega. Papai trabalhou bastante e tem que descansar. Amanhã é sexta-feira, dia internacional da alegria. Como Papai também é criança, vou sair uns minutinhos e andar de skate. Vou aproveitar que você está dormindo, pois daqui a pouco sei que vai acordar e irá querer seu leitinho. Durma com os anjos e sonhe. Você tem uma vida inteira pela frente.

Do seu Papai que te ama muito.

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