ACENOS
Thaís Emília

Sensaboria. Cerveja quente, geladeira quebrada e torneira pingando - suando? 

Eu: afundada no sofá como quem se atola irremediavelmente no pântano cômodo das adiações. 

Eu: escutando impotente os gemidos de bichinho doente das violetas estorricando ao sol.

Eu: preocupada com as previsões zodiacais, até sentir, pela areia na ponta dos dedos e pelo amarelo esfarelado das páginas, que lia o jornal do mês passado.

O calor insuportável, sem aragens ou brisas, é o mesmo da tarde em que abandonei José. Não ventou desde então.

Na tarde em que me apaixonei, José estava de olhos fechados para que o vento não grudasse ciscos em suas retinas. Quando os abriu, fitei o castanho límpido das pupilas envidraçadas, espelho de mim numa moldura de cílios, e sorri.

Ele dizia que nosso amor era eterno. Eu não enleava-me em ilusões: por isso, quando ventava, tinha o cuidado de cerrar suas pálpebras com carícias ou beijos.

Lembro-me de quando abandonei José. Não foi culpa minha - estava previsto pelos signos zodiacais desde quando éramos apenas girassóis radiantes num terreno baldio, bolhas de sabão ou rabiscos num muro. 

Nesse dia, estávamos afundados no querer espesso dos nossos olhares, e a ventania veio tão de repente que não pude fechar os olhos de José para protegê-los das impurezas aladas. E quando fitei suas pupilas, o castanho vítreo estava manchado por grãos de areia, polén, pêlos. Nossa separação fez-se, então, inevitável. Porque eu percebi que os olhos de José estavam maculados para sempre, e eu nunca mais poderia, portanto, fitar neles meu próprio reflexo.

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