O PACTO
Márcia Ribeiro

Assim que percebi o que de bom a vida poderia me oferecer tratei de fazer um pacto com ela. 

Sim, um pacto. Combinamos que nos encontraríamos quando eu 
já tivesse realizado pelo menos uma grande parte dos meus 
sonhos. Quem não os tem?

E se não tem, não pode fazer pactos dessa natureza.

Dali, dos meus inesquecíveis doze anos, o que eu poderia vislumbrar era o que de mais confortável e maravilhoso a vida poderia ser. Me formaria, provavelmente em medicina e, claro, seria uma reconhecida pediatra, mas sempre com uma quedinha para veterinária. Que dúvida!!!

Nesse intervalo de tempo, o meu grande amor, o tal do príncipe encantado, já seria parte integrante da minha felicidade. Filhos? Agora não. Precisaríamos ter primeiro realizado outros sonhos, como viagens, mais estudos, nos firmamos profissionalmente, ter maior estabilidade financeira, uma lua de mel mais prolongada...

Aí sim, dois, três, quatro filhos. Todos lindos, inteligentes, sem problemas existenciais, já que seríamos uma família daquelas dos núcleos mais abastados dos filmes ou novelas.

Como não poderia deixar de ser, meus pais e irmãos desfrutariam amplamente dos benefícios da minha conquista.

O orgulho seria uma estampa natural em nossa rotina. Não haveria tempo para nos dedicarmos às tantas mazelas anunciadas pelas outras pessoas que, por circunstâncias, fariam parte desse universo.

O amor prevaleceria em todos os momentos. Os raros problemas, se existissem, seriam sanados como num estalar de dedos, não deixando que nada interferisse no nosso permanente estado de felicidade.

Nossa beleza física, ditada pelos padrões amplamente divulgados em todas as vinte e quatro horas do dia, seria inigualável.

Em determinados e raros momentos eu chegava a pensar que seriam mesmo pecaminosos os tantos desejos que faziam parte do invejável pacto. Mas em segundos esses pensamentos se dissipavam quando eu me convencia de que isso tudo só não seria conquistado se não houvesse o esforço necessário. 

O que mais faltaria?

Sim, minha velhice seria rodeada dos mais lindos e saudáveis netos e, obviamente, do meu rei encantado, posto que meu príncipe a essa altura do campeonato já teria alcançado esse posto.

A morte? A morte...

Melhor deixar para combinar isso mais tarde. Quem sabe até tentar um outro pacto...veremos...

Mas chega o momento do grande encontro. E eis que quem me aparece é a vida comum. A vida de todos nós.

Perguntei por onde andaria a vida com a qual eu fiz um pacto. 

Ela não se intimidou para dizer-me que a vida que procuro costuma mesmo promover grandes desencontros, posto que uma vida não é tramada por sonhos, mas do que conseguimos realizar destes sonhos.

Perguntou ainda se eu já queria ir embora. Eu disse que ainda não posso, pois ainda tenho muito o que realizar dos sonhos que foram surgindo enquanto o pacto não era cumprido.

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