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Maurício Cintrão

Uma das histórias mais curiosas sobre o desencontro que conheço remete a um caso de amor. E não pense que vou contar um daqueles romances mexicanos de novela choramingas. Estou me referindo a uma paixão dos filhos por seu pai através da linguagem, do folclore e da cultura. 

Adágios são uma espécie de mania entre as famílias brasileiras. Eu, por exemplo, ouço desde pequeno expressões do tipo "de grão em grão a galinha enche o papo" ou "a colher é que sabe a quentura da panela". Pois bem, outro dia, encontrei em um sebo de livros um exemplar da primeira edição do "Adagiário Brasileiro", do escritor e folclorista cearense Leonardo Mota. 

Muito mais do que um livro de frases feitas, o Adagiário é um ambicioso estudo dos dizeres populares no Brasil. Mais do que isso, entretanto, é o resultado de uma das mais interessantes sagas da história da Literatura Brasileira. 

Leonardo Motta definiu a sua versão final em 1935. Mas não encontrou editora na época que se interessasse em publicá-lo. O trabalho ficou engavetado até 1948, quando o autor morreu. Então, misteriosamente, os originais desapareceram. 

A perda do estudo só foi menos impactante para a família que a perda do próprio autor. Aquele era o tesouro mais importante da herança do folclorista. Ao longo de anos, seus filhos acompanharam todo o seu processo de pesquisas e compilações. E sabiam da importância do trabalho para o pai e para o folclore. 

Em outras circunstâncias, o País teria perdido um estudo primoroso do jeito brasileiro de tratar suas manias, crenças e certezas. Mas os filhos de "Leota", como era conhecido, herdaram sua perseverança. Sem chances de reaver os originais, Moacir e Orlando Mota decidiram remontar o quebra-cabeças que já havia sido resolvido pelo decano. 

A partir do acervo de anotações esparsas, recortes de jornal e cadernos manuscritos, refizeram o caminho do pai na edição do Adagiário, buscando manter a lógica paterna que tão bem conheciam. As pesquisas demoraram mais de 30 anos. Mas permitiram recuperar 80% da edição planejada. A publicação do livro aconteceu, enfim, no ano de 1982, em uma associação da Universidade Federal do Ceará com a Editora José Olympio, do Rio de Janeiro. 

A saga de reconstrução e os critérios adotados para a garantia de sua qualidade são descritos pelos filhos com riqueza de detalhes na abertura da edição. E emprestam ao "Adagiário Brasileiro" uma dimensão muito maior que a de preciosa peça do estudo do folclore. A história do livro é uma das mais belas declarações de amor de uma família ao seu patriarca. Um exemplo de que, em alguns casos, o desencontro pode perpetuar uma grande paixão.

(O livro foi reeditado em 1987 pela Itatiaia Editora. Pode ser encontrado no Submarino por R$ 35,00 - clique aqui e compre agora!)

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