QUERERES
Regina de Souza

Internet. Mundo complexo, permeado por relações impossíveis: encontros entre seres virtuais, desencontros entre vidas diferentes que acontecem em mundos desiguais. 

O corpo fica, a alma vai. Ou se abdica ao que se tem ou se abdica a quem se quer.

Não se quer mais o que se tem, porque se passa a querer o que nunca se teve. 

Miscelânea de quereres. Tropeços.

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Curiosidade pelo novo: é dela a culpa!

Quem mandou enfiar a mão em cumbuca? Agora, agüenta o tranco! 

Quem mandou ser curiozinho e sair assim, se embrenhando por esse novo mundo virtual criado por Bill?...claro, o Gates! 

Que mania é essa que te custa o sono, o humor, o interesse pela vida até, de querer estar sempre bem informado? 

Sei bem que você vai tentar justificar esse deslize, dizendo:

- Olha aqui: não dá mais prá assinar jornal, revista, tv a cabo, comprar CDs, DVDs, viajar, sair prá balada com a turma, etc., etc., etc.

Sei também que vai engatar num:

- O quê? Você acha mesmo que eu poderia viver alheio a tudo de bom que me rodeia, só porque minha renda está defasada?

Aí, prá não entrar em depressão, você entra na Internet.

I´m a woman/26 -sorrí para X-man Solitário: Olá! Teclas de onde? –diz alguém, na sala lotada de discípulos de Bill (o Gates, claro!).

X-Man Solitário –responde para I´m a woman/26: Pelo sotaque, posso garantir que vivo longe de você....rs... – acerta outro alguém em cheio, encantadinho que já está pela inteligência da dona do nick name.

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Minutos depois, eles se descobrem idênticos: café, LM, Joseph Campbell, Djavan...

- NÃO ACREDITO!!!!!!

Meia hora depois, eles se descobrem interessados: trocam e-mails, prá garantir o reencontro.

Meio dia depois, eles se descobrem de novo: na “busca” do site.

Meio mês depois, eles se descobrem apaixonados: número do telefone, prá reforçar.

Meio ano depois, eles se descobrem sofrendo:

- Não posso ir! Se chutar o pau-da-barraca, me dano!

- O que faço com minha avó?...sem chance.

- Mas...eu te amo!

- E eu te adoro!

- Vem, vai?

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Onze meses depois eles se descobrem completamente desmotivados com a vida que sempre tiveram antes de se conhecerem. Nada mais os agrada, nada mais faz sentido e todas as metas anteriores são agora obsoletas, ou seja: a vida é uma merda! Agora, a única coisa que significa em suas existências é o outro. O que está longe. O inatingível outro lado do mundo....outro lado do país, outro lado do telefone.

- Almas gêmeas, somos.

- É sim, metade de minha laranja!

- Vou aí. Chuto o pau-da-barraca e ...QUE SE DANE O RESTO!!!

......

- Atenção, senhores passageiros do vôo 735, da Aero Líneas Find, Madrid/São Paulo: desembarque pelo Portão 3, corredor Norte.

Uma mulher elegantemente vestida caminha firme em direção ao portão 3, no corredor Norte; levanta levemente a manga do casaco de couro vermelho, confere as horas. 

- Um café... isso! – pensa ela, enquanto vai se dirigindo à entrada de um Café, de onde poderá observar o desembarque de passageiros do vôo 735 - aquele que trouxe sua alma gêmea, diretamente de Madrid. 

- Bendito Santos Dumont ou “irmãos sei-lá-o-quê”! – silenciosamente ela sorri, feliz e cismando - ...Que coisa essa de ainda não se saber quem voou primeiro! Bendito "Bill-mente-brilhante", que iluminou o mundo com sua Internet! Ai, Bill Gates: TE AMO COMO LOUCA!....- sorri e sorri e sorri.

Ela não cabe em si de contentamento; de olhos fixos no portão 3 e meio sorriso estampado nos lábios, deixa o pensamento voar livre, afinal esta será a nova realidade de sua vida: a felicidade! 

- Reais... seremos reais, a partir do momento em que nossos olhos se cruzarem. Tanto tempo amando uma pessoa, sem tê-la visto bem à minha frente uma vez sequer! Tantos telefonemas... caríssimos! Deus!... como gastamos e como foi bom ter apertado o orçamento, em troca dessa voz que me toca a alma! E os sonhos? Aiiii!!! Foram tantos sonhos e tantas fotos, fotos às dezenas, às centenas talvez... FOTOS! 

Saudosa, retira a foto dele do bolso do belo casaco, olha mais uma vez aqueles traços e fixa o olhar definitivamente no portão 3. Os primeiros passageiros começam a apontar, puxando cada um o seu carrinho de bagagem. Ela paga o café, sem desgrudar o olho das pessoas que agora começam a surgir em número maior e vai lentamente se dirigindo mais para perto do desembarque.

Pára. Coração disparado, pernas moles, mãos frias e um emaranhado de telas de computador, lotadas de letras...Arial-10, Comic Sans-negrito, Verdana-12 se confunde com os rostos todos que vão surgindo ininterruptamente por aquele portão, como um monitor que vomita imagens virtuais... vertigem – quase - mas, agora não é uma boa hora prá se ter vertigem, pensa ela - prática como sempre. 

- Ele deve ser mais calmo do que descreveu...deve estar tranqüilamente dando sua vez aos apressadinhos - pensa, lembrando-se do bate-volta que fizeram tantas vezes. – Ele não sabia o que era “bate-volta”... que coisa! Ei?...alguém em casa????... bate-volta! Aquilo de se perguntar e o outro responder de pronto e sem titubear, entendeu?

Muitos cafés, mais mãos trêmulas, e muito mais consultas ao relógio e começa a diminuir o fluxo de pessoas no saguão de desembarque. O corredor-monitor está mais calmo já, e nada dele ainda.

O tempo vai passando e, quando o último passageiro sai abraçado à família em direção ao café, ela se dá conta finalmente:

- Ele não veio.

Pega o celular. Digita um número. Ele atende. 

- O que houve? –pergunta ela, séria.

- Quebrei o pé quando chutei o pau-da-barraca...tem jeito, não! Sorry: ME DELETA, ok? No desencontro, FUI.

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