MARIA, A LOUCA
Ana Terra

Sou Maria, a louca. Louca por pensar muito. Louca por respeitar o outro. Louca por acreditar na incredulidade alheia. Louca por insistir em viver num mundo de delicadeza, mesmo com facas apontadas para seu peito. 

Maria que entra na caverna. Dispensa a lanterna. Cai, machuca, levanta com as roupas sujas de lama. Quando vê a saída, tira a poeira mais fina e continua.

Maria que encontra espadas. Olha para o lume. Experimenta o gume. Assusta-se. Lança as armas no rio e compra uma bengala. Caminha mancando até se cansar. Quebra a bengala no meio e transforma as metades em vara de condão de fada insana.

Cega. Usa óculos para perto, para longe e até binóculos, mas tem momentos que nada vê. Joga tudo fora. Segue com seus olhos míopes.

Maria cética que crê na magia. Maria livre que se enrola em novelos de lã, sem achar a saída.

Maria generosa, horrorosa, calma e irada. Maria que procura o descanso no sono mas os sonhos não deixam. A loucura não dá trégua. Maria que se entrega ao nada e depois flutua no ar. Perdida.

Maria que conversa com estrelas. Que tem inveja das raízes e das corredeiras.

Maria que constrói escadas cortando a madeira com os dentes. Pensa que realizou um grande feito e se decepciona quando consegue subir. Não vê nada. A loucura não deixa.

Maria que joga beijos ao vento. Joga pedras para cima e fica imóvel, na espera. Maria que não é santa. É louca, apenas.

Maria que respeita o desconhecido. Que segue sua intuição desgovernada. Que não obedece as setas do caminho. Adora encruzilhadas, sem saber que direção tomar.

Maria que se cansa da loucura, mas não vive sem ela. Maria que manda suas dores para a Via Láctea, onde há trilhões de estrelas invisíveis a olho nu.

Maria pensa ser Cleópatra na hora da morte. Quer o veneno, mas não encontra a serpente. Quer morrer e renascer no amor, mas ainda não encontrou a receita.

Maria que ama de amor. Um amor sem palavras. A loucura lhe deixa muda. Trava sua língua e seus sentidos.

Maria, a andarilha louca. Tão louca que assusta. Maria que quer sentimentos que não existem. Mas insiste em procurá-los.

Maria que não quer nada. Maria que quer tudo. Maria, a louca que impede que a certeza lhe chegue perto.

Maria que só tem um medo na vida: de ser abandonada pela loucura.

Maria louca, surda, cega. Que insiste em viver assim mesmo.

Maria, a louca mansa. Que se desmancha na beleza de um verso.

Maria que chora com a chuva. Lava sua alma. Não vê nada porque a janela está embaçada. Não tem coragem de limpar os vidros. A loucura não deixa.

Maria que foge da lucidez.

Rendo-me. Sou Maria, a louca e ponto final.

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