JERICÓ
Fernando Roxo

Maria.... Acho que todas as empregadas domésticas se chamam Maria. Esta Maria trabalhou uns seis meses como na casa dos meus pais quando eu tinha cerca de dezesseis anos. Eu era um adolescente normal, morando em um bairro burguês normal. Não era nenhum Apolo, mas o pouco exercício que eu fazia me faziam bem constituído. O papo era o usual dos jovens do meu tempo, mulheres (mais faladas que conquistadas), algum esporte (futebol, vôlei e etc), as tarefas escolares e por aí afora.

O quê? Ah, sim!! A Maria. Maria tinha uns dez anos a mais que eu, pelo menos é a impressão que me dava. Ela tinha um olhar de quem sabia o que queria e queria o que sabia. Um dia entrou no meu quarto e começou a me provocar. Vocês sabem como um adolescente é fácil de ser provocado. Ela se insinuou com uma voz meio enrouquecida, esbarrou aqui, alisou ali e quando eu percebi já tínhamos um tempo de prévias e ela estava me vestindo a camisinha. De onde ela tirou aquela camisinha? Eu nunca soube.

Durante os seis meses de convivência duas vezes na semana eu aprendi um bocado com a Maria. Como não ser afoito, como segurar mais um pouco o gozo quase incontrolável da juventude, onde acariciar, como fingir acariciar para criar uma expectativa o desejo do carinho e do prazer. Eu não sei se foi algo da idade ou se foi o aprendizado com Maria, mas as amigas da escola e do condomínio de classe média começaram a me olhar de uma maneira menos infantil. Hoje, rememorando aqueles dias, eu consigo ver uma certa semelhança com o olhar da Maria.

Depois que a Maria nos deixou eu passei quase dois anos sem saber o que era outra mulher. O quê? Não, não eram saudades da Maria, era incompetência juvenil mesmo. Tá, eu atacava, cumpria todo o ritual da caça, mas com um sucesso parcial, quase sempre resolvido solitariamente em casa. 

Me lembro quando terminou este recesso, havia poucos dias uma nova família tinha se mudado para um apartamento do sexto andar. O casal tinha três filhas, duas das quais chamaram a atenção imediatamente da rapaziada. A terceira, a Jericó, era uma menina meio desengonçada mas de papo muito fácil e é claro foi usada como trampolim para chegar às irmãs. Alguns meses depois, na festa de quinze anos da segunda irmã eu não poderia faltar, afinal eu era o namorado da aniversariante. Foi o usual, muita gente jovem, os pais fazendo campana para evitar abusos, a valsa e tudo o mais que se tem direito em uma festa de quinze anos. Neste dia eu conheci uma amiga de colégio das irmãs. Como era mesmo o nome dela?... Não lembro, mas eu dei sorte da camisinha que carregava a dois anos não ter arrebentado. Claro que eu tive que procurar outra namorada depois disto.

Quando entrei na faculdade havia o bar da azaração. Era um bar super simpático em que o pessoal ia beber algumas, jogar muito papo fora e, eventualmente, alguma coisa sobrava para completar a noitada. Naquele ambiente conheci muitas mulheres, nesta época eu tinha uma taxa de sucesso bastante razoável. Meus pais não gostavam muito quando eu chegava de madrugada ou com o sol raiando. É claro que aconteceram cenas constrangedoras, como no dia de um porre federal que eu vomitei metade do bar e o vestido da Jericó. Acho que ela passou algumas semanas sem olhar na minha cara.

Foi Jericó quem me apresentou a Luciana. Não era nem preciso soprar a fogueira dos seus pelos ruivos para ela acender. Nesta época eu pude até me dar ao luxo de escolher, estava sempre chovendo na minha horta.

Não sei o que aconteceu, se excesso de farras, se alguma coisa fumada ou ingerida. Um dia no bar da azaração eu estava jogando um charme para uma nissei que era um bibelô de louça. Linda, sensual e com uma voz enlouquecedora. Eu estava em plena rotina de caça e acredito que aquela noite estaria resolvida. Foi quando uma nuvem me passou pelos olhos, uma imagem fugaz de branco que passou e, sabe-se lá porque razão, atraiu o meu olhar, desviando-o abobalhadamente do objetivo principal. Algum tempo depois eu vi estarrecido minha caça sendo levado por outro caçador e eu sem conseguir entender a confusão que tinha acontecido.

Não tenho muito claro o que aconteceu, uma perturbação qualquer me acometeu e eu não consegui mais sair à caça. As mulheres me pareciam diáfanas, fúteis e sem qualquer atrativo. O que estaria acontecendo comigo? E para complicar ainda mais a minha situação eu não conseguia esquecer a visão, ainda um tanto desengonçada, mas... Não sei, havia alguma coisa... Um gesto, uma expressão no olhar, um riso... Não sei o que foi, eu estava completamente enfeitiçado.

Vocês conseguem imaginar? Um conquistador da minha categoria de quatro por uma garota sem qualquer tipo de exuberância das caças usuais? Vocês conseguem imaginar a minha confusão ao sentir a taquicardia ao olhar naqueles olhos escuros? Eu não consigo entender, não era suposto ser assim.

Daí para frente minha vida foi uma confusão só, tudo acontecendo com uma velocidade muito grande. Só me dei conta do que aconteceu, da completa inversão da razão e da história, no dia que percebi ter sido finalmente abatido, conquistado e domado. Percebi a ironia ao ler meu convite de casamento:

As famílias convidam para o casamento de seus filhos

Josué                           Jericó

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